PAN - UM NOVO PARADIGMA

Vivemos o fim de ciclo de um paradigma civilizacional esgotado, o paradigma antropocêntrico, cuja exacerbação nos últimos séculos aumentou a devastação do planeta, a perda da biodiversidade e o sofrimento de homens e animais. Impõe-se um novo paradigma, uma nova visão/vivência da realidade, ideias, valores e símbolos que sejam a matriz de uma nova cultura e de uma metamorfose mental que se expresse em todas as esferas da actividade humana, religiosa, ética, científica, filosófica, artística, pedagógica, social, económica e política. Esse paradigma, intemporal e novíssimo, a descobrir e recriar, passa pela experiência da realidade como uma totalidade orgânica e complexa, onde todos os seres e ecossistemas são interdependentes, não podendo pensar-se o bem de uns em detrimento de outros e da harmonia global. Nesta visão holística da Vida, o ser humano não perde a sua especificidade, mas, em vez de se assumir como o dono do mundo, torna-se responsável pelo equilíbrio ecológico do planeta e pelo direito de todos os seres vivos à vida e ao bem-estar.

Herdando a palavra grega para designar o "Todo", bem como o nome do deus da natureza e dos animais, o PAN - Partido pelos Animais e pela Natureza - incarna esse paradigma na sociedade e na política portuguesas.

O objectivo deste blogue é divulgar e fomentar o debate em torno de contributos diversos, contemporâneos e de todos os tempos, para a formulação deste novo paradigma, nas letras, nas artes e nas ciências.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

A necessidade de uma "revolução cultural" segundo Serge Latouche

"O crescimento actual só é rentável na condição de fazer recair o seu peso e o seu preço sobre a natureza, as gerações futuras, a saúde dos consumidores, as condições de trabalho dos assalariados e, ainda mais, sobre os países do Sul. É por isso que se torna necessária uma ruptura. Todos, ou quase todos, concordam, mas ninguém ousa dar o primeiro passo. (...) A indispensável mudança de objectivo não se inclui entre aquelas que uma mera mudança eleitoral possa resolver, instalando um novo governo ou votando a favor duma nova maioria. O que é necessário é muito mais radical: nem mais nem menos do que uma revolução cultural, que deverá desembocar numa refundação da dimensão política"

- Serge Latouche, "Pequeno tratado do decrescimento sereno", Lisboa, Edições 70, 2011, pp.47-48.

Porque nunca se fala em política de amor, compaixão, felicidade?

Porque é que na política actual nunca há lugar para se falar de amor e compaixão, amor e compaixão pelos homens, pelos animais, pela natureza? Porque nunca se fala de felicidade e daquilo que a todos mais importa? Porque é que a política se tornou uma coisa enfadonha e suspeita, para homens cinzentos e engravatados, com as mentes cheias de números, palavras ocas e cálculos eleitorais?

"Sou tudo o que foi, é e será"



"Sou tudo o que foi, é e será, e jamais algum mortal levantou o meu véu" [inscrição na estátua de Ísis, em Saïs, no Egipto]
- Plutarco, Ísis e Osíris, 9, 354 c.

"Um deles aí chegou - levantou o véu da deusa de Saïs. Mas que viu ele? Viu maravilha das maravilhas! - ele mesmo"
- Novalis, Os discípulos em Saïs, Paralipómenos, 2, Petits écrits, tradução e introdução por G. Bianquis, Paris, 1947, p.257.

Ísis foi assumida na tradição ocidental como uma figura da Natureza. Quem lhe ergue o véu e se vê a si mesmo transcende a condição mortal? E quem a viola, como a civilização prometeica contemporânea?

sábado, 29 de janeiro de 2011

Declaração da Conferência de Imprensa em que se anunciou a legalização do PAN - II

Como expressão deste paradigma, recordamos alguns dos objectivos principais do PAN, constantes na Declaração de Princípios e Objectivos que será desenvolvida no futuro programa político:

1 - Consagração na Constituição da República Portuguesa da senciência dos animais e do seu direito à vida e ao bem-estar. Alterar a partir daí o Código Civil, onde os animais são reduzidos ao estatuto de coisas, e fazer aprovar uma lei mais rigorosa de sua protecção, que criminalize os atentados contra a sua vida, abandonos e maus-tratos.
2 - Enquanto a legislação portuguesa a respeito dos animais não for alterada, defendemos uma efectiva aplicação da lei existente e a punição dos seus infractores. Propomos nesse sentido a criação de uma unidade policial especificamente voltada para as questões animais, a exemplo do que sucede com o Serviço de Protecção da Natureza e do Ambiente.

3 – Defendemos a proibição de todos os espectáculos com animais que lhes causem sofrimento físico e psicológico.

4 – Defendemos o encaminhamento no sentido da abolição total da experimentação em animais, apostando em métodos alternativos e encorajando as empresas a assumirem o compromisso do abandono progressivo dos testes em animais, através da chamada política dos 3 R: Replacement (Substituição), Reduction (Redução), Refinement (Refinamento).

5 – Defendemos uma campanha educativa e pedagógica no sentido da progressiva alteração dos hábitos alimentares dos portugueses, em particular o consumo de carne industrial, de modo a diminuir os seus efeitos negativos sobre o meio ambiente, a saúde pública e a vida e bem-estar de homens e animais, mediante várias medidas:

a) Divulgação da possibilidade de se viver saudavelmente reduzindo o consumo de carne ou optando por uma alimentação não-carnívora, vegetariana ou vegana, com as vantagens de não causar sofrimento, do equilíbrio ecológico e do sabor, diversidade e riqueza.
b) Redução das taxas sobre os produtos de origem natural e biológica.
c) Obrigatoriedade dos restaurantes oferecerem pelo menos um prato vegetariano.
d) Opções vegetarianas em todas as cantinas escolares e das instituições públicas.
e) Incentivo e apoio ao surgimento de lojas de produtos naturais, biológicos e restaurantes vegan-vegetarianos, sobretudo no interior do país.
f) Aumento das taxas sobre os produtos da agropecuária intensiva.
g) Eliminação progressiva da produção de ovos em aviário, favorecendo empresas com produção de ovos de galinhas criadas ao ar livre.

8 - Reconhecimento social e jurídico da posição dos animais de estimação nas família. Criação de hospitais veterinários comparticipados pelo Estado em Lisboa e Porto. Possibilidade de dedução de medicamentos e cuidados veterinários, bem como despesas com alimentação de animais de estimação, em sede de IRS, e apoio aos cidadãos com baixos rendimentos e idosos que pretendam manter um animal de estimação.

9 – Reestruturação total dos Centros de Recolha Oficiais de Animais, canis/gatis, a maioria dos quais não se encontra licenciada pela Direcção-Geral de Veterinária. Fim da eutanásia de animais saudáveis, política de esterilização e adopção responsável.

10 – Formação das gerações mais jovens numa consciência da natureza dos actuais problemas ecológicos, bem como da vida animal e das questões éticas e bioéticas relativas ao homem e à sua relação com a natureza e os animais. Inclusão em todos os níveis de ensino de uma disciplina que contemple estas questões.

11 – Redignificar os professores e todos os profissionais ligados à educação, que deve ser, com a cultura, um dos investimentos estratégicos do Orçamento do Estado e da governação. Recuperar a tradição humanista da formação integral da pessoa, não a sacrificando a uma mera funcionalização profissional. Nos vários níveis de ensino deve estar presente a cultura portuguesa e lusófona, mas também a das várias culturas planetárias, preparando o cidadão para as sociedades multiculturais contemporâneas.

12 – Criação de um serviço público de saúde eficiente e acessível a todos, que inclua a possibilidade de opção por medicinas e terapias alternativas, de qualidade e eficácia cientificamente comprovada e exercidas por pessoas habilitadas, como a homeopatia, a acupunctura, a osteopatia, o shiatsu, o yoga, a meditação, etc. Estas opções, bem como os medicamentos naturais e alternativos, devem ser igualmente comparticipados pelo Estado.

13 – As associações e movimentos cívicos, incluindo os que se dedicam à defesa e protecção dos animais, deverão ser apoiados e valorizados, nomeadamente através do estabelecimento de parcerias, da sua inclusão na lei do mecenato, da possibilidade de consignação de 0,5% do IRS, da redução da burocracia associada à sua constituição e gestão, entre outras possibilidades. O empreendedorismo social deve ser encorajado e recompensado.

14 – Portugal deve investir mais nos domínios da educação, ciência e cultura. O Orçamento do Estado deve reflectir isso, reduzindo gastos com a Defesa, Exército e obras públicas de fachada. Devem-se moralizar os salários e reformas da administração pública e privada e aumentar os impostos sobre os grandes rendimentos.
Portugal deve reger-se pela Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) e pela Carta da Terra (1994). Deve também consagrar na sua Constituição a renúncia a toda a forma de violência bélica, ou ao seu apoio, para a resolução de conflitos nacionais e internacionais.

15 – É urgente uma outra globalização, a da satisfação das necessidades fundamentais das populações, do desenvolvimento mental e cultural da humanidade, do bem-estar animal e da harmonia ecológica. A produção de riqueza e os recursos materiais e científico-tecnológicos devem ser postos ao serviço desses fins, numa alternativa ao círculo vicioso das sociedades de produção e consumo, que para satisfazer desejos artificiais instrumentalizam e exploram homens, animais e recursos naturais, sacrificando o bem comum à avidez do lucros das grandes empresas e da grande finança mundial. A economia de mercado deve ser reconvertida para o bem social, humano, animal e ecológico.

16 – Em Portugal, embora tendo em conta as exigências da actual economia global, devem-se ensaiar e progressivamente privilegiar modelos de desenvolvimento alternativos, que preservem a diversidade cultural, biológica e ecoregional. Há que promover a sustentabilidade económica do país, desenvolvendo as economias locais. Devem substituir-se quanto possível as energias não-renováveis (petróleo, carvão, gás natural, energia nuclear) por energias renováveis e alternativas (solar, eólica, hidráulica, marmotriz, etc.), superando o paradigma, a vulnerabilidade e as dependências de uma economia baseada no petróleo e nos hidrocarbonetos.
Deve-se investir num programa pedagógico que permita oferecer alternativas ao produtivismo e consumismo, fazendo do trabalho e do desenvolvimento económico não um fim em si, com o inevitável dano da harmonia ecológica, da biodiversidade e do bem-estar de homens e animais, mas um mero meio para a fruição de um crescente tempo livre de modo mais gratificante e criativo.

17 – Portugal deve cultivar a tradição de estabelecer pontes, mediações e diálogos entre todos os povos, nações, culturas, civilizações e religiões, promovendo uma cultura da paz, da compreensão, da fraternidade e do universalismo à escala planetária, extensiva não só aos homens mas a todos os seres sencientes. Portugal deve sensibilizar a comunidade lusófona, com 240 milhões de falantes, para as causas humanitárias, animais e ecológicas.

Fomos pioneiros no desvendamento da unidade do planeta e no contacto com outros povos e culturas, mais sensíveis à harmonia com a natureza e os seres vivos. Alguns nomes grandes da nossa cultura poético-filosófica – como Antero de Quental, Guerra Junqueiro, Sampaio Bruno, Teixeira de Pascoaes e Agostinho da Silva, entre outros – anteciparam quase um século a actual sensibilidade ecológica, bem como a crítica do antropocentrismo e do especismo, propondo uma ética cósmica. Fomos pioneiros na abolição da pena de morte e sensibilizámos a comunidade internacional para o drama de Timor. Devemos estar hoje à altura desta tradição e mobilizar-nos para os grandes desafios éticos, culturais e civilizacionais do nosso tempo. Portugal deve assumir-se na primeira linha da expansão da cultura e da consciência, da luta por uma sociedade mais justa, da defesa dos valores humanos fundamentais e das causas humanitárias, animais e ecológicas.

Pelos Animais, humanos e não-humanos, Pela Natureza

Esta é a bandeira do PAN e é por ela que venceremos!


Paulo Borges

Comissão Coordenadora do Partido pelos Animais e pela Natureza

27.01.2011

Declaração da Conferência de Imprensa em que se anunciou a legalização do PAN - I

Conferência de Imprensa – Legalização do PAN

1 – No seu acórdão 27/2011, de 13 de Janeiro de 2011, o Tribunal Constitucional considerou legal a constituição do Partido pelos Animais e pela Natureza (PAN). Esta decisão aconteceu mais de um ano após o pedido e da entrega, em 4 de Dezembro de 2009, de 9259 assinaturas, mais do que as 7500 requeridas por lei e conseguidas em cerca de 5 meses. Anunciamo-la hoje, 27 de Janeiro, data simbólica em que se comemora a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, a qual, embora sem carácter oficial, foi proclamada em 1978 numa sessão da UNESCO, em Bruxelas.

2 – Este acontecimento é um marco histórico na vida política nacional, constituindo a grande novidade desde o 25 de Abril de 1974. Assistimos ao surgimento de um partido inteiro, que visa o bem de tudo e todos, ou seja, dos animais, humanos e não-humanos, e da natureza, da qual todos em comum dependemos.

Agradecemos do fundo do coração a todos os que generosamente têm contribuído para a realização deste sonho, às centenas de voluntários na recolha de assinaturas e aos mais de 50 000 aderentes a este projecto, considerando pré-inscritos, apoiantes e simpatizantes nas redes sociais. Todos eles podem estar certos de que a partir de hoje há uma voz e uma força activa na política portuguesa que será a expressão dos anseios mais profundos das centenas de associações animalistas, humanitárias e ecológico-ambientalistas nacionais e que denunciará e lutará contra todas as formas de discriminação, opressão e exploração dos animais humanos e não-humanos, bem como de desrespeito do equilíbrio ecológico e violência contra a natureza.

3 – O Partido pelos Animais e pela Natureza surge num momento sumamente crítico da democracia portuguesa e da vida política nacional. Como o confirmam os resultados das últimas eleições presidenciais, aqueles que são considerados formalmente vencedores são eleitos com uma minoria de todos os votos possíveis, que neste caso não chegam aos 25%. O candidato Cavaco Silva foi eleito com 52, 94%, não da totalidade dos eleitores inscritos, mas dos 46, 63% de votantes. Dos 9 629 630 eleitores possíveis, apenas 2 230 104 manifestaram o seu desejo de o terem como presidente. Aqueles que votam são já uma minoria relativamente aos que não votam. É grave que isto seja encoberto e desconsiderado pelos agentes e comentadores políticos e, sobretudo, pelos candidatos que se consideram “vencedores”. É grave que isto não seja objecto de profunda reflexão nacional, pois configura uma situação de legitimidade jurídico-formal dos eleitos, mas não moral nem social. Mostra isto, sobretudo, um flagrante e preocupante divórcio entre o estado, a classe política e a sociedade.

Com efeito, todas as leituras dos resultados eleitorais se alteram quando se considera que a abstenção, os votos brancos e nulos também traduzem, embora pela negativa, uma intenção, uma disposição e um estado de consciência que não podem ser ignorados por um presidente ou por um governo que pretenda exercer as suas funções em nome de “todos os portugueses”. Se nestas eleições presidenciais o aumento das abstenções (53, 37%) traduz o aumento da indiferença, da recusa do sistema e/ou da descrença na importância deste acto eleitoral e na vida política em geral, o aumento dos votos em branco (191 159 - 4, 26%) e dos votos nulos (86 543 - 1, 93%), que respectivamente mais do que triplicaram e mais do que duplicaram, mostra o aumento do protesto activo contra o actual estado de coisas e o não reconhecimento activo de uma franja considerável de cidadãos nas propostas de qualquer um dos candidatos.

Ao mesmo tempo, a global votação histórica em candidatos independentes ou pontualmente independentes dos quadros partidários, como Fernando Nobre (593 948 – 14, 12%), José Coelho (189 055 – 4, 49%) e Defensor Moura (66 097 – 1, 57%), mostra que uma franja ainda mais considerável dos votantes (cerca de 20%) não se reconhece ou tende a não se reconhecer no actual panorama partidário e deseja uma alternativa ao mesmo.

Considerando abstenções, votos em branco, votos nulos e votos em candidatos independentes, encontramos 6 266 727 do total de 9 629 630 eleitores que, activa ou passivamente, se não reconheceu nas indicações de voto dos cinco grandes partidos com assento parlamentar: CDS-PP, PSD, PS, PCP-PEV e BE. Ou seja, cerca de 66% (!) do total de eleitores, seja pela abstenção ou pelo voto, ignoraram ou divergiram das propostas políticas dos partidos actualmente com assento na Assembleia da República.

Isto torna evidente haver um imenso e fecundo espaço aberto para o surgimento de novas iniciativas cívicas e partidárias e o PAN assume esse espaço como o seu terreno privilegiado. A crise da democracia é também a grande oportunidade para a sua renovação, que depende do surgimento de pessoas, ideias e práticas novas na tão estagnada e enfadonha vida política nacional.

4 – O Partido pelos Animais e pela Natureza é um partido de causas, que abraça as três grandes causas - humanitária, animal e ecológico-ambiental - , considerando-as inseparáveis. Herdando no seu nome a palavra grega que designa o “todo”, o PAN é um partido ao serviço do natural desejo de bem-estar e felicidade que é diversamente comum a todos os seres vivos e sencientes. O PAN é um partido da solidariedade que, na linha da evolução das mentalidades e da luta contra todas as formas de discriminação, opressão e exploração do homem pelo homem, a estende agora a todas as formas de discriminação e violência contra os animais, combatendo o especismo como parente próximo do esclavagismo, racismo, sexismo e classismo. A solidariedade com os seres vivos deve acompanhar-se do respeito integral pela natureza, da qual todos dependemos.

Estamos no fim de ciclo de uma civilização antropocêntrica, cujo conceito de progresso económico e desenvolvimento tecnológico se tem realizado à custa do esgotamento dos recursos naturais e do equilíbrio ecológico, bem como da opressão e sofrimento da grande maioria dos animais humanos e não-humanos, colocando em risco a qualidade de vida e mesmo a sobrevivência das gerações futuras. Perante isto impõe-se um novo paradigma mental, ético e civilizacional que assuma uma noção holística de bem comum, o de homens, animais e natureza, no centro das decisões políticas, do desenvolvimento económico e da vida social. Esse é o paradigma do PAN, rigorosamente fundado nos desenvolvimentos mais recentes da ciência e da ética.

(Continua)

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

O renascimento do grande PAN

O regresso do grande PAN

"O maior fracasso do homem" são as suas relações com os animais




"A verdadeira bondade do homem só pode manifestar-se em toda a sua pureza e em toda a sua liberdade com aqueles que não representam força nenhuma. O verdadeiro teste moral da humanidade (o teste mais radical, aquele que por se situar a um nível tão profundo nos escapa ao olhar) são as suas relações com quem se encontra à sua mercê: isto é, com os animais. E foi aí que se deu o maior fracasso do homem, o desaire fundamental que está na origem de todos os outros"

- Milan Kundera, A Insustentável Leveza do Ser, tradução de Joana Varela, Lisboa, Dom Quixote, 2000, p.329.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Partido pelos Animais e pela Natureza é legal

O Tribunal Constitucional considerou legal a criação do novo Partido pelos Animais e pela Natureza, adiantou à Lusa o membro da comissão coordenadora Paulo Borges.
 
foto http://pan-sintra.blogspot.com
Partido pelos Animais e pela Natureza é legal
Paulo Borges, do PAN
 
No acórdão, datado de 13 de Janeiro, a que a agência Lusa teve acesso, o Tribunal Constitucional (TC) considera "verificada a legalidade da constituição" e decide "deferir o pedido de inscrição, no registo próprio existente no Tribunal", do partido político e da sigla "PAN".
O parecer do TC chega mais de um ano após a entrega, a 4 de Dezembro de 2009, de 9.259 assinaturas a pedir a criação do novo partido.
Em declarações à Lusa, Paulo Borges, da comissão coordenadora do novo partido, afirmou que a constituição do PAN é "um marco histórico e a grande novidade desde o 25 de Abril".
O PAN assume-se como "o primeiro partido ecologista realmente independente" e, segundo Paulo Borges, tem "uma forte base social de apoio", entre "simpatizantes e pré-inscritos", nas "dezenas de associações animalistas e ecologistas" e através da rede social Facebook.
"O partido não depende apenas dos interesses dos seres humanos, mas tem uma perspectiva global sobre a realidade e sobre a importância de uma mudança na forma como o homem se relaciona com o meio ambiente", afirmou o responsável.
Dias depois das eleições presidenciais, o PAN considera que a democracia portuguesa "vive um momento extremamente crítico", visível nomeadamente na abstenção elevada, mas também na quantidade de votos brancos e nulos verificados.
Para Paulo Borges, a maior abstenção de sempre traduz "uma descrença em relação à vida política" ou "uma forma de protesto" do eleitorado, que "não se reconhece no actual quadro político".
Também "a votação bastante expressiva" em candidatos considerados "fora" do sistema político" -- como Fernando Nobre ou José Manuel Coelho -- mostra que existe "uma franja considerável" de eleitores que "não se reconhece no actual sistema e quer uma alternativa".
Além de preocupar-se com o "especismo" - criticando a forma "eticamente inaceitável" como o homem trata os animais, nomeadamente na "indústria da carne" - o PAN diz ainda ter preocupação "com as questões humanas", defendendo uma "melhor justiça social e uma economia de mercado virada para o equilíbrio ecológico".
Os promotores do PAN apresentam esta quinta-feira o novo partido, com sede em Carnaxide.

fonte: http://www.jn.pt/PaginaInicial/Nacional/Interior.aspx?content_id=1767132&page=-1

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

A agricultura biológica e a redução das emissões de gases que contribuem para o efeito de estufa

Uma mudança mundial para a AB [agricultura biológica] poderia reduzir 11% das emissões globais de gases que contribuem para o efeito de estufa. Aumentar os níveis de carbono no solo tornaria também a agricultura mundial mais resistente aos extremos climáticos como a seca e as inundações, conduzindo a uma maior segurança alimentar.
Um relatório recente da Soil Association revela que em média a AB produz níveis de carbon no solo 28% superiores aos da agricultura convencional, na Europa do Norte, e 20% superiores para todos os países que foram alvo deste estudo (na Europa, América do Norte e Australásia).
Para o Reino Unido (RU), tal representa uma taxa de fixação de carbono de aproximadamente 560 kg C / ano (2ton CO2/ano) por hectare de terra cultivada convertida à AB no RU, durante pelo menos 20 anos. Ou seja, 64 milhões de toneladas de carbono ao longo de 20 anos, em toda a terra cultivada no RU, ou 3,2 ton C/ano. O equivalente a retirar quase 1 milhão de automóveis das estradas! A adopção generalizada das práticas da AB no RU reduziria 23% das emissões agrícolas do RU meramente através da fixação de carbono.
Para obter mais informações ou descarregar o relatório completo consulte:
http://www.soilassociation.org/Whyorganic/Climatefriendly/foodandfarming/Soilcarbon/tabid574/Default.aspx

fonte: a joaninha, Boletim Informativo da AGROBIO Associação Portuguesa de Agricultura Biológica, nº87, Outono 2010, p.24

Afinal o esclavagismo não acabou?



"Dado que [...] nenhuma destas práticas faz mais que servir os nossos prazeres gustativos, a nossa prática de criar e matar outros animais para os comermos é um exemplo claro do sacrifício dos interesses mais importantes de outros seres à satisfação de interesses triviais nossos. Para evitar o especismo, temos de acabar com esta prática - e cada um de nós tem a obrigação moral de deixar de apoiá-la. Os nossos hábitos dão à indústria da carne todo o apoio de que esta precisa. A decisão de deixar de dar esse apoio pode ser difícil, mas para um branco sulista não teria sido mais fácil ir contra as tradições da sua sociedade e libertar os seus escravos. Se não mudarmos os nossos hábitos alimentares, como poderemos censurar esses proprietários de escravos que não mudariam a sua forma de viver?"

- Peter Singer, "Todos os animais são iguais", Os animais têm direitos? Perspectivas e argumentos, organização e tradução de Pedro Galvão, Lisboa, Dinalivro, 2011, p.37.

Afinal parece que o esclavagismo não acabou e que muitos de nós são esclavagistas activos...

Apresentarei este importante livro no dia 8 de Fevereiro, às 18.30, na FNAC - Chiado.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

As eleições presidenciais de 2011. Comentário e exortação

1 – Os resultados das eleições presidenciais de 2011, com um recorde de abstenções (53,37%), de votos em branco (4,26%) e votos nulos (1, 93%), e com inadmissíveis dificuldades burocráticas (!) que impediram milhares de cidadãos de exercer o seu direito de voto, confirma estarmos numa fase crítica da democracia em que, devido ao descrédito da vida política traduzido na abstenção massiva, uma minoria de votantes (2 230 104, menos de 25% dos 9 629 630 eleitores inscritos) fez eleger o seu candidato à primeira volta. O candidato eleito, Professor Aníbal Cavaco Silva, deveria ter isto em conta na sua consciência e no seu discurso e ter a humildade de não proclamar sem mais que o eleitorado mostrou claramente o presidente que quer. Todas as leituras dos resultados eleitorais se alteram quando se considera que a abstenção, os votos brancos e nulos também traduzem, embora pela negativa, uma intenção, uma disposição e um estado de consciência que um Presidente de “todos os portugueses” não pode ignorar. Nem ele, nem as forças e os comentadores políticos.
 
2 – O que os resultados eleitorais claramente mostram é que, da minoria dos votantes (4 489 904, apenas 46,63% dos possíveis), a maioria preferiu manter o status quo e, com medo da mudança, deixar Portugal na mesma, apesar de ninguém parecer estar contente com o estado actual da nação.
 
3 – Se o aumento das abstenções traduz o aumento da indiferença, da recusa do sistema e/ou da descrença na importância deste acto eleitoral e na vida política em geral, o aumento dos votos em branco (191 159 - 4, 26%) e dos votos nulos (86 543 - 1, 93%), que respectivamente mais do que triplicaram e mais do que duplicaram, mostra o aumento do protesto activo contra o actual estado de coisas e o não reconhecimento activo de uma franja considerável de cidadãos nas propostas de qualquer um dos candidatos.
 
4 – Ao mesmo tempo, a votação histórica no Doutor Fernando Nobre (593 868 – 14, 12%), o único candidato em nome da pura cidadania, sem vida política anterior e independente de qualquer partido, mostra que uma franja ainda mais considerável dos eleitores não se reconhece nas actuais propostas partidárias e deseja uma alternativa às mesmas.
 
5 – A meu ver, essa alternativa, no momento crítico que o planeta Terra atravessa, só pode passar por um projecto político que tenha a ética e a ciência no seu fundamento e não separe os problemas humanos do modo como o homem se relaciona com a natureza e os demais seres vivos, obedecendo a um novo paradigma holístico que vise o bem dos animais humanos e não-humanos e a harmonia ecológica da qual todos dependem.
 
6 – Como é público, assumo que esse projecto é o PAN (Partido pelos Animais e pela Natureza), que encarna um novo paradigma mental, ético e civilizacional e, enquanto partido inteiro, que visa o bem de tudo e todos, constitui a maior novidade na política portuguesa desde o 25 de Abril. Trata-se de um partido que assume no centro das suas preocupações a mudança na relação do homem consigo mesmo, com os seres vivos e com a natureza, colocando-se ao lado daqueles que são os mais oprimidos, violentados e desfavorecidos no actual fim de ciclo de uma civilização em que a tecnologia e a economia postas ao serviço do produtivismo e do consumismo ávidos e cegos fazem uma multidão de vítimas: pobres, idosos e animais, além da devastação dos recursos naturais e da degradação do meio ambiente que nos lesam a todos. Defender a natureza, o meio ambiente e os animais não humanos é defender o homem, não fazendo qualquer sentido separar as duas esferas de interesses. A luta contra todas as formas de discriminação, opressão e exploração do homem pelo homem deve ampliar-se à libertação dos animais e à defesa da natureza e do meio ambiente, sem o que perde fundamentação, coerência e valor ético. Ao agredir a natureza e os animais o homem agride-se a si próprio, como é evidente nas consequências desastrosas da agropecuária intensiva e da indústria da carne para a saúde dos homens, o bem-estar dos animais e o equilíbrio ecológico. A actual economia de mercado deve ser reconvertida para o bem social, animal e ecológico.
 
7 – Neste momento crítico da nossa vida nacional, e em vez de cedermos à indiferença, ao desalento e ao pessimismo, exorto a que todos conheçam a Declaração de Princípios e Objectivos do PAN - http://www.partidoanimaisnatureza.com/declaracao-de-principios.html - , que assume um vasto leque de propostas, também ao nível da saúde, da cultura, da educação e das relações internacionais, para fazermos uma vez mais de Portugal um país moderno e pioneiro, que aposte na Lusofonia como abertura à universalidade multicultural e integre em si o melhor que haja em todo o mundo. Apelo a que contribuam com a vossa reflexão e propostas críticas para o aperfeiçoamento do documento e o divulguem, de modo a que mais amigos se juntem aos cerca de 50 000 apoiantes e simpatizantes deste projecto e ele possa crescer como bola de neve como a grande alternativa que é à política e aos políticos do passado. Deixando uma vez mais para trás os Velhos do Restelo, é a Hora de partirmos para a grande e Nova Descoberta.
 
Saudações fraternas!
 
Paulo Borges
24.1.2011

A que se destinam os rapazes e as raparigas?

- A resposta depende do local onde vivemos. Por exemplo, a que se destinam, na América, os rapazes e as raparigas? Resposta - ao consumo em massa. E os corolários do consumo em massa são as comunicações em massa, os anúncios em massa, os estupefacientes em massa, sob a forma de televisão, de meprobamatos, de pensamentos positivos e de tabaco. E agora, também na Europa onde se começa já igualmente a enveredar pelo caminho da produção em massa, a que se destinam os rapazes e as raparigas? Ao consumo em massa e tudo o mais, tal como acontece com os rapazes e as raparigas da América. Para a Rússia, contudo, a resposta é diferente. Os rapazes e as raparigas destinam-se a fortalecer o estado nacional. Daí, todos os seus engenheiros e professores de ciências, isto para não falar nas cinquentas divisões que eles têm prontas a entrar imediatamente em acção, equipadas com toda a espécie de armamento, desde tanques e a bomba H até aos foguetões de longo alcance. E na China a mesma coisa, mas em dose mais exagerada. E a que se destinam aqui os rapazes e as raparigas? A carne de canhão? A carne para indústria? A carne para a agricultura? A carne para construir estados?  Assim o Oriente é o Oriente e o Ocidente o Ocidente, isto por agora. Mas pode acontecer que ambos venham a encontrar-se num ou noutro ponto dos dois caminhos. O Ocidente pode ter tanto receio do Oriente que vá ao ponto de se esquecer que os rapazes e as raparigas se destinam ao consumo em massa e, decidir, em vez disso, que servem para carne de canhão e para o fortalecimento do estado. Por sua vez, o Oriente pode achar-se sob tal depressão, devido ao mecanismo das massas esfomeadas que anseiam emigrar para o Ocidente, que se veja forçado a mudar de ideias e a dizer que os rapazes e as raparigas servem realmente para o consumo em massa. Mas isto será talvez no futuro. Por agora, as respostas à sua pergunta são mutuamente exclusivas.

Aldous Huxley, A Ilha, Lisboa, Livros do Brasil, 2001, pp.254-255

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

"Pã, o grande Pã morreu!"

S. F. Schedrin
"Gruta Matromanio na Ilha de Capri"
1827
Tela em óleo
Às vezes, porém, os pinheirais cantavam mais alto, em certas tardes havia sobre a terra uma paz e uma alegria maiores, o grego sentia mais vivo em torno de si o amor da Natureza; era difícil aceitar que as ninfas e os sátiros, tão amigos da liberdade, assim se tivessem concertado para que a um tempo soassem as suas flautas e se exercesse a sua acção benéfica. Decerto um deus, um grande deus, chegara até ali, um deus que resumia toda a intensa vida das florestas e dos montes; e esse deus era Pã, o que viera da Arcádia e excedia todos os Sátiros no tocar da flauta e no amor das Ninfas; Pã era também o deus das tranquilas sestas de Verão, quando, no adormecimento de todas as coisas, só as cigarras gritam estridentemente; e ai do pastor que acordar Pã ou do rebanho que passar junto dele, quando o deus repousa! Bastará que a sua voz ressoe para que tudo se precipite, louco de medo, num terror «pânico». Mas o grego sabe que não deve perturbar o sossego da Natureza, que a deve deixar dormir tranquila sob o sol que aquece - e que tudo cala na terra às horas do meio-dia; e a sesta de Pã não será perturbada.

"Olhasses tu o mundo da perspectiva da rã ou da relva..."

"Olhasses tu o mundo da perspectiva da rã ou da relva e serias tão humilde e discreto como elas" - Casimiro de Brito, Arte da Respiração, p.153.

Apresentação de "Os animais têm direitos?", 8 Fevereiro, 18.30, FNAC - Chiado



"No contexto do debate em que os ensaios deste livro se inscrevem, falamos não de direitos legais, mas de direitos morais. A questão geral em que todos estes ensaios se centram, então, é a de saber como devemos tratar os animais não-humanos se adoptarmos um ponto de vista ético, independentemente do que as leis dizem a esse respeito" - Pedro Galvão, "Introdução", p.9.

Terei o prazer de apresentar esta importante antologia de textos fundamentais sobre esta questão no dia 8 de Fevereiro, às 18.30, na FNAC Chiado. Felicito o organizador e tradutor, Dr. Pedro Galvão, bem como a editora Dinalivro, por mais este contributo para o conhecimento em Portugal de textos referentes a questões éticas actuais e essenciais.

Syrinx

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Uma economia de mercado ecológico-social

"Mais além da economia planificada e da economia de mercado capitalista (na qual primam os interesses do capital e se descuidam as exigências do trabalho e da natureza), é preciso trabalhar na linha de uma economia de mercado de corte social e ecológico em que se busque o equilíbrio entre os interesses do capital e os interesses sociais e ecológicos, isto é, trabalhar na linha de uma economia de mercado ecológico-social"

- Hans Küng, Proyecto de una ética mundial, Madrid, Trotta, 2006, p.30.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

"Esses camponeses dos Cárpatos tinham visto bem, tinham visto longe."

Quando, pouco depois da guerra de catorze, introduziram electicidade na minha aldeia nata, verificou-se um murmúrio geral, a que se seguiu uma desolação muda. Mas quando a instalaram nas igrejas (havia três), todos se persuadiram de que o Anticristo chegara e, com ele, o fim dos tempos.
Esses camponeses dos Cárpatos tinham visto bem, tinham visto longe. Eles, que saíam da pré-história, sabiam já, naquela época, o que os civilzados apenas há pouco tempo sabem.

E. M. Cioran, Do Inconveniente de Ter Nascido, Letra Livre, p.119

domingo, 16 de janeiro de 2011

"Acredito que a cultura do crescimento económico precisa de ser posta em causa"

[...] acredito que a cultura do crescimento económico precisa de ser posta em causa. Do meu ponto de vista, ela promove o descontentamento que gera um grande número de problemas, tanto sociais como ambientais. Há também que, quando nos dedicamos inteiramente ao desenvolvimento material, negligenciamos as implicações que isso tem sobre uma comunidade mais vasta. Uma vez mais, não se trata do fosso entre o Primeiro e o Terceiro mundo, entre Norte e Sul, entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos, entre ricos e pobres, nem é questão de ser imoral e errado. É tudo isso ao mesmo tempo. Mas o mais importante é o facto dessa desigualdade em si ser uma fonte de problemas para todos nós. Por exemplo, se a Europa fosse o mundo inteiro, em vez de representar menos de dez por cento da população mundial, talvez se justificasse a ideologia predominante do crescimento contínuo. Mas o mundo não se limita à Europa. A verdade é que se morre de fome noutros sítios. Desequilíbrios tão profundos como este são susceptíveis de ter consequências negativas para todos nós e, mesmo se elas não são igualmente directas para eles, na sua vida diária os ricos também sentem os sintomas da pobreza. Ou não será verdade que a visão de câmaras de vigilância nos prédios e barras de ferro nas janelas mina de alguma forma o nosso sentido de serenidade?

Sua Santidade O Dalai Lama, Ética para o Novo Milénio, Lisboa, Editorial Presença, 2003, p.125

sábado, 15 de janeiro de 2011

"Sejamos pobres e sejamos coisas - repito, ser coisas, não ter coisas."

E agora vamos lutar contra os dragões. O primeiro é o ideal de um produto bruto nacional sempre crescente e um sempre mais elevado nível de vida material. Neguemos tal ideal. O que queremos é que o produto nacional seja distribuído com justiça, isto é, com amor, e que a qualidade do nível de vida seja elevada. Como indivíduos podemos escolher ser pobres (não miseráveis, com certeza) e recusarmo-nos a comprar, passando para os outros o que é demasiado para nós. Empresas e governos querem que sejamos ricos e tenhamos coisas. Sejamos pobres e sejamos coisas - repito, ser coisas, não ter coisas.

Agostinho da Silva, Os Três Dragões, in Textos e Ensaios Filosóficos II, Lisboa, Âncora Editora, 1999, p.293

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

"Apocalypse now"

Os grandes, terríveis e massivos campos de concentração dos animais de criação, o horror dos aviários, onde centenas e milhares de vidas são chocadas, nutridas e engordadas, aos montes, à força e à pressa, umas em cima das outras, sempre expostas à luz, sem dormir, para logo serem levadas, ainda aos magotes, espezinhando-se umas às outras, para o abate! O horror das galinhas e dos perus, degolados e ainda a correrem, sem cabeça! Dos porcos, aos guinchos, de patas atadas, voltados ao contrário para serem esventrados por facas afiadas! Ou arrastados aos montes, por passadeiras mecânicas, para máquinas que lhes apertam e partem os ossos, antes de serem erguidos e suspensos, pelo pescoço, ainda vivos, por agudos ganchos metálicos! Tudo para acabarem, retalhados aos bocados, nos talhos, em embalagens assépticas, nas prateleiras dos supermercados ou em fumegantes, atraentes e apetitosos pratos nas mesas das casas e dos restaurantes. Para alegria de quem despreocupadamente os devora, unicamente interessado no prazer que daí tira, sem saber ou querer saber de toda a dor oculta por detrás de cada garfada. E para lucro das empresas que não recuam perante a macabra publicidade das carnes mortas camuflando a imagem das vítimas estilizada como fofinhos «glu-glus», «quá-quás» e «mé-més».

Paulo Borges, Línguas de Fogo, Ésquilo, 2006, pp.252-253

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

"Vós pedis-me que trabalhe o solo? Iria eu pegar numa faca e cravá-la no seio de minha mãe?"


Um profeta índio, Smohalla, da tribo Umatilla, recusava o trabalho da terra. «É um pecado», dizia, «ferir ou cortar, rasgar ou arranhar a nossa mãe comum com trabalhos agrícolas.» E acrescentava: «Vós pedis-me que trabalhe o solo? Iria eu pegar numa faca e cravá-la no seio de minha mãe? Mas então, quando eu já estiver morto, ela já não me retomará no seu seio. Pedis-me que cave e desenterre pedras? Iria eu mutilar-lhe as carnes a fim de chegar a seus ossos? Mas então já não poderei entrar no seu corpo para nascer de novo. Pedis-me que corte a erva e o feno, e que o venda, e que enriqueça como os brancos? Mas como ousaria eu cortar a cabeleira de minha mãe?

Mircea Eliade, O Sagrado e o Profano, Lisboa, Livros do Brasil, 2006, p.148

Johan Rockstrom: Let the environment guide our development | Video on TED.com



Johan Rockstrom sobre a necessidade de deixarmos o ambiente natural guiar o desenvolvimento humano e sobre a responsabilidade humana na gestão do planeta.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Uma ética global para um só mundo




"Se o grupo junto do qual nos queremos justificar for a tribo ou a nação, a nossa moral será provavelmente tribal ou nacionalista. Se, no entanto, a revolução nas comunicações tiver criado um público global, podemos sentir necessidade de justificar o nosso comportamento junto de todo o mundo. Esta alteração fornece a base material de uma nova ética que servirá os interesses de todos aqueles que vivem neste planeta, e fá-lo-á de uma forma que, apesar de muita retórica, nenhuma ética produziu até agora"

- Peter Singer, Um só mundo. A ética da globalização, Lisboa, Gradiva, 2004, pp.39-40.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

"...cada vez mais, o animal assume em etologia uma figura de sujeito"

"Os primeiros capítulos deste livro vão no encalço das inteligências do animal e discutem uma imensa literatura científica para saber se é legítimo falar de comportamentos culturais no animal. Uma revolução oculta daí se desprende: cada vez mais, o animal assume em etologia uma figura de sujeito. Não medimos necessariamente a ruptura radical que se estabelece assim nas ciência do animal e a maioria dos etólogos persistem em nada ver ou, mais exactamente, a fazer como se"

- Dominique Lestel, Les origines animales de la culture, Paris, Flammarion, 2001, p.238.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Queres tu saber o que é um homem verdadeiramente pobre?

Queres tu saber o que é um homem verdadeiramente pobre?
É verdadeiramente pobre em espírito, aquele que pode bem privar-se de tudo o que não é necessário. Por isso é que aquele que estava sentado nu dentro de um barril disse ao grande Alexandre, que tinha o mundo inteiro a seus pés: «Eu sou», disse ele, «um senhor muito maior do que tu és; porque eu desprezei mais do que aquilo de que tu te apropriaste. Aquilo que tu consideras como grande possuíres é para mim demasiado pequeno, mesmo para desprezar». É muito mais feliz aquele que pode privar-se de todas as coisas e não precisa delas, do que quem conserva todas as coisas por necessidade delas.

Mestre Eckhart, Tratados e Sermões, Paulinas Editora, 2009, pp.97-98

sábado, 8 de janeiro de 2011

"Considerar os países dos outros como o nosso próprio país"

No século V antes da era cristã, o filósofo chinês Mozi, horrorizado com a devastação provocada pela guerra no seu tempo, perguntou: «Qual é a via para o amor universal e o benefício mútuo?» E respondeu à sua própria pergunta: «É considerar os países dos outros como o nosso próprio país.» Diz-se que o antigo iconoclasta Diógenes, quando lhe perguntaram de que país era oriundo, afirmou: «Sou um cidadão do mundo.» No final do século XX, John Lennon cantou que não é difícil «Imaginar que não há países [...]/Imaginar que todas as pessoas/Partilham todo o mundo».

Peter Singer, Um Só Mundo a Ética da Globalização, Gradiva, pp.263-264

Se não visamos o bem de todos, não conseguimos o de nenhum

O mundo continua dividido. Uns preocupam-se sobretudo com os homens, outros principalmente com os animais. A maioria apenas consigo próprios e com os "seus". Será tão difícil ver que nada está separado e que o sofrimento e a felicidade de um ser, seja qual for, são inseparáveis do sofrimento e da felicidade de todos os outros e do equilíbrio ecológico do planeta onde todos igualmente vivemos? Será tão difícil ver que todos os seres vivos aspiram igualmente, embora de modos diversos, ao bem-estar? Será tão difícil ver que, se não visamos o bem de todos - a satisfação das suas necessidades, não dos seus desejos - , não conseguimos o de nenhum?

Só um novo paradigma, holístico e global, que não separe o bem dos homens, dos animais e o respeito pela comum mãe-natureza, pode trazer a alternativa que todos procuramos. Seguir outros caminhos é continuar a fazer parte do problema e não da solução. E este novo paradigma tem de assumir uma expressão em todas as áreas, da espiritualidade à educação, à organização social, económica e política e às relações internacionais.

Queremos fazer parte da mudança ou reproduzir no futuro o passado?

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

A ética global segundo Hans Küng




"Quais são as fontes de uma ética global? Resposta: todo o intuito de formulação de uma ética global há-de colher o seu conteúdo "dos recursos culturais, ideias, experiências emocionais, recordações históricas e experiências espirituais dos povos". Apesar das diferenças das culturas, há certas temas que aparecem em quase todas as tradições culturais e que podem servir de inspiração para uma ética global.

A primeira fonte constituem-na as grandes tradições culturais, especialmente "a ideia da vulnerabilidade humana e o consequente impulso ético de minorar o sofrimento, na medida do possível, e garantir a cada indivíduo a sua segurança"

- Hans Küng, Una ética mundial para la economía e la política, Madrid, Trotta, 1999, p.239 (citações do Report of the World Commission on Culture and Development, "Our Creative Diversity", Paris, 1995).

Esta perspectiva deva ser completada, superando o seu antropocentrismo, pela igual consideração dos seres não-humanos e da natureza. Só assim se poderá falar de uma ética global.

O nº1 da revista Cultura ENTRE Culturas publica uma conferência inédita deste pensador, que faz parte da sua Comissão de Honra.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

A senciência animal segundo António Damásio



"Estou disposto a acreditar que sempre que o cérebro começa a gerar sentimentos primordiais - e isso poderá acontecer bastante cedo na história evolutiva - os organismos tornam-se sencientes numa forma primitiva. A partir desse momento, poderá vir a desenvolver-se um processo de eu [self] organizado que se acrescenta à mente, garantindo assim o início de mentes mais complexas. Os répteis, por exemplo, merecem esta distinção, as aves mais, e para os mamíferos não há qualquer dúvida"

- António Damásio, O Livro da Consciência, Lisboa, Temas e Debates/Circulo de Leitores, 2010, p.45.



Padre António Vieira e o regresso do mundo ao vegetarianismo paradísiaco

“Pois se do princípio do mundo até o dilúvio [que se contaram 1650 anos] os animais viviam em paz entre si, e os que hoje feros e domésticos naquele tempo pasciam no mesmo campo pacífica e concordemente, sem se perseguirem, nem se comerem: que muito será que torne o mundo a ver na sua última idade o que viu na primeira ? e [sic] que na renovação da terra e dos ares que considerámos acima se restitua também o temperamento dos animais à constituição antiga com que, sem nenhum milagre nem mudança essencial da natureza, o instinto e apreensão da fantasia os leve aos frutos e às ervas como hoje os convida às carnes ?”

– Padre António Vieira, Apologia das Coisas Profetizadas, p.292.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Leonardo Boff e o novo paradigma holístico



"O marco sociopolítico dessa libertação integral é a democracia ampliada e enriquecida. Essa democracia haverá de ser biocracia, democracia sociocósmica, ou seja, uma democracia que esteja centrada na vida, que parta da vida humana mais humilhada, que inclua os elementos da natureza tais como as montanhas, as plantas, as águas, os animais, a atmosfera e as paisagens como novos cidadãos participantes do convite humano e aos humanos como participantes do convite cósmico. Só então haverá justiça ecológica e societária com uma paz assegurada no planeta Terra"
- Leonardo Boff, Ecologia: grito da Terra, grito dos pobres [tradução castelhana: Ecología: grito de la Tierra, grito de los pobres, Madrid, Trotta, 2006, pp.144-145].

"Com a era ecológica atravessamos os umbrais de uma nova civilização. Esta só chegará a consolidar-se se tiverem lugar transformações fundamentais nas mentes das pessoas e nos padrões de relação com o universo na sua totalidade. Um novo paradigma exige uma nova linguagem, um novo imaginário, uma nova política, uma nova pedagogia, uma nova ética, uma nova descoberta do sagrado e um novo processo de individuação (espiritualidade)" - Ibid., p.149.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Peter Singer e o Terceiro Relatório de Avaliação da Comissão Intergovernamental para a Alteração Climática (CIAC)

Peter Singer
A prova científica de que as actividades humanas estão a alterar o clima do nosso planeta está a ser estudada por um grupo de trabalho da Comissão Intergovernamental para a Alteração Climática (CIAC), um organismo científico internacional que se destina a fornecer aos decisores políticos uma perspectiva fundamentada da alteração climática e suas causas. O grupo publicou o seu Terceiro Relatório de Avaliação em 2001, baseado em relatórios prévios e incluindo novas provas acumuladas ao longo dos cinco anos anteriores. O relatório é fruto do trabalho de 122 orientadores e 515 colaboradores e a investigação na qual se baseia foi analisada por 337 especialistas. Como qualquer documento científico, é passível de críticas por parte de outros cientistas, mas reflecte um amplo consenso das principais opiniões científicas e representa, de longe, a mais fundamentada perspectiva actualmente disponível sobre o que está a suceder ao nosso clima.

Ecocasa feita pelas próprias mãos





"You are looking at pictures of a house I built for our family in Wales. It was built by myself and my father in law with help from passers by and visiting friends. 4 months after starting we were moved in and cosy. I estimate 1000-1500 man hours and £3000 put in to this point. Not really so much in house buying terms (roughly £60/sq m excluding labour).

The house was built with maximum regard for the environment and by reciprocation gives us a unique opportunity to live close to nature. Being your own (have a go) architect is a lot of fun and allows you to create and enjoy something which is part of yourself and the land rather than, at worst, a mass produced box designed for maximum profit and convenience of the construction industry. Building from natural materials does away with producers profits and the cocktail of carcinogenic poisons that fill most modern buildings.

Some key points of the design and construction:

* Dug into hillside for low visual impact and shelter
* Stone and mud from diggings used for retaining walls, foundations etc.
* Frame of oak thinnings (spare wood) from surrounding woodland
* Reciprocal roof rafters are structurally and aesthetically fantastic and very easy to do
* Straw bales in floor, walls and roof for super-insulation and easy building
* Plastic sheet and mud/turf roof for low impact and ease
* Lime plaster on walls is breathable and low energy to manufacture (compared to cement)
* Reclaimed (scrap) wood for floors and fittings
* Anything you could possibly want is in a rubbish pile somewhere (windows, burner, plumbing, wiring...)
* Woodburner for heating - renewable and locally plentiful
* Flue goes through big stone/plaster lump to retain and slowly release heat
* Fridge is cooled by air coming underground through foundations
* Skylight in roof lets in natural feeling light
* Solar panels for lighting, music and computing
* Water by gravity from nearby spring
* Compost toilet
* Roof water collects in pond for garden etc."


http://www.simondale.net/house/index.htm

http://www.simondale.net/house/gallery.htm

http://ecohousefilm.com/

"Uma nova síntese é a única alternativa para o caos."

A antiga cultura medieval floresceu porque as pessoas seguiram a visão da Cidade de Deus. A sociedade moderna prosperou porque as pessoas estavam entusiasmadas com a visão da Cidade de Progresso na Terra. No nosso século, todavia, esta visão deteriorada de Torre de Babel está agora a começar a desmoronar-se e acabará por enterrar todos os seres humanos sob suas ruínas. Na Cidade de Deus e na Cidade da Terra existiram teses e antíteses. Uma nova síntese é a única alternativa para o caos. E essa é a síntese entre o núcleo espiritual do antigo mundo medieval e o desenvolvimento do pensamento racional e da ciência desde a Renascença. Esta síntese é a Cidade do ser.

Erich Fromm, Ter ou Ser?, Editorial Presença, p.193

"A natureza é a nossa casa."

Se há uma área em que tanto a educação como os media têm uma responsabilidade particular é, creio eu, na do meio ambiente natural. Uma vez mais, esta responsabilidade tem menos a ver com questões de certo e de errado do que com uma questão de sobrevivência. A natureza é a nossa casa. Não é necessariamente sagrada ou santa, é simplesmente o lugar onde vivemos. É do nosso interesse olhar por ela. É do senso comum. Mas só recentemente o índice populacional, o poder da ciência e a tecnologia cresceram ao ponto de poderem ter um impacte directo sobre a natureza. Por outras palavras, até agora a Mãe Natureza tem tolerado o nosso descuido caseiro. Mas agora chegámos ao ponto em que ela deixou de poder aceitar o nosso comportamento em silêncio. Os problemas causados pela degradação ambiental podem ser vistos como a sua resposta ao nosso comportamento irresponsável. Está a avisar-nos que a sua tolerância tem limites.

Sua Santidade O Dalai Lama, Ética para o Novo Milénio, Editorial Presença, p.139

A Canção da Terra (Der Abschied) - Gustav Malher



Gustav Mahler (1860-1911)

domingo, 2 de janeiro de 2011

"És o irmão e a irmã de todas as criaturas"

Tu não estás separado dos outros, encerrado numa solidão mortal, com angústias e doenças que só a ti pertencem. Volta-te para os outros, aprende a olhar de outro modo o mundo que te rodeia. Experimenta pensamentos harmoniosos por todas as formas de vida se desejares recuperar a alegria, pois és o irmão e a irmã de todas as criaturas.

in Sabedoria Ameríndia (pref. e org. de Jean-Paul Bourre), Pergaminho, p.15

A compaixão só será plena quando for universal




"A compaixão, onde toda a ética deve criar raízes, só pode atingir a sua plenitude se abraçar todos os seres vivos e não se limitar à raça humana"

- Albert Schweitzer (1875-1965), Prémio Nobel da Paz em 1952

sábado, 1 de janeiro de 2011

"... a vanguarda de uma nova cultura em gestação"



"Aqueles que se preocupam hoje com os animais […] constituem a vanguarda de uma nova cultura em gestação"; "constituem um movimento de vanguarda chamado a crescer e a transformar a consciência da época"

– Dominique Lestel, L’animal est l’avenir de l’homme,
Paris, Fayard, 2010, pp.10 e 12.