A exigência de ética política pode parecer um lirismo ingénuo e irracional, nos tempos que correm e na nossa sociedade utilitarista e economicista, onde está implícito que a ética seja última das preocupações.
Não pensamos assim. Pelo contrário, entendemos que a ética deve ser a primeira de todas as considerações, por marcar a mais importante de todas as fronteiras e o critério de avaliação das escolhas políticas e dos seus actores.
Como ficou claramente esclarecido, não se ataca minimamente o povo da China, e muito menos a sua respeitabilíssima cultura multimilenar - estando apenas em causa as práticas do actual governo chinês e a decisão do governo Português na venda de capital da EDP. Por isso mesmo, tem especial cabimento citar um grande sábio da China ancestral (Confúcio): “Já vi pessoas incapazes da ciência; mas nunca vi nenhuma incapaz da virtude”.
Ora, antes de exigirmos que as acções políticas sejam competentes e tecnicamente eficazes, há que esperar que sejam virtuosas, de acordo com valores éticos. A competência técnica destituída de princípios, de valores, pode levar às criações mais hediondas, como a história nos mostra claramente (e, de resto, o actual sistema chinês é disso exemplo manifesto).
Não basta, é certo, a boa intenção, sem um conhecimento adequado e sem uma actuação lúcida. Mas muito pior ainda, e de todo inaceitável, por nos expor (a tudo e a todos) aos riscos mais extremos, são as decisões que ignoram e espezinham a ética, convivendo sem consciência com os que são capazes das maiores violências, atrocidades e desrespeitos para com a Vida.
Tal certamente, é o caso do regime chinês, que tem uma reiterada prática de desrespeito pelos direitos e valores fundamentais, de perseguições, de crimes e de intolerância para quem se desvia um pouco do que é ditado como “doutrina oficial”. Em termos externos, há décadas que vai sujeitando à sua tirania e a abusos e arbitrariedades de todo o género, um país e um povo inteiro – o do Tibete –, prosseguindo sistemática e implacavelmente o genocídio da sua população e da sua cultura – apesar de esta ser reconhecidamente pacífica e gentil.
Só a completa despreocupação com a ética é que permite negócios com um governo que está a promover uma outra invasão, à escala global, dominando os recursos económicos de inúmeras nações, quase continentes inteiros. Perante isto, as ditas democracias liberais permanecem indiferentes, cabendo-nos perguntar se só despertarão quando os pesadelos que agora atormentam alguns menos imediatistas no seu pensamento se tiverem volvido em realidades brutais. Mas onde não ética, até as incoerências parecem não envergonhar. É assim que essas democracias liberais (e capitalistas), que outrora censuravam o regime chinês, agora podem com ele andar de braço dado. É assim, também, que se pedem (exigem!) sacrifícios, poupanças e restrições ao consumo, quando jamais se censurou, antes se admiram com fascínio, os incentivos ao consumismo. É assim, igualmente, que o regime socialista-comunista chinês desenvolve o mais formidável e agressivo sistema capitalista. Tudo, sempre, orientado para “sacar”.
1 comentários:
Ao ler este texto, veio-me repentinamente à mente uma carta inacabada de Fernando Pessoa a Casais Monteiro de 30 de Outubro de 1935, inserta no livro da Europa-América “Escritos íntimos, Cartas e Páginas Autobiográficas”, a propósito das semelhanças – ou melhor, aparentes dessemelhanças ou oposições – entre o “comunismo” e o “Estado Novo”, ou, mais latamente, entre “Esquerda” e “Direita”. Eis essa passagem:
«…Desde o discurso que o Salazar fez em 21 de Fevereiro deste ano, na distribuição de prémios do Secretariado da Propaganda Nacional, ficámos sabendo, todos nós que escrevemos, que estava substituída a regra restritiva da Censura, “não se pode dizer isto ou aquilo”, pela regra soviética do Poder, “tem que se dizer isto ou aquilo”. Em palavras mais claras, tudo quanto escrevermos, não só não tem que contrariar os princípios (cuja natureza ignoro) do Estado Novo (cuja definição desconheço), mas tem que ser subordinado às directrizes traçadas pelos orientadores do citado Estado Novo. Isto quer dizer, suponho, que não poderá haver legitimamente manifestação literária em Portugal que não inclua qualquer referência ao equilíbrio orçamental [espantosamente actual!!!], à composição corporativa (também não sei o que seja) da sociedade portuguesa e a outras engrenagens da mesma espécie».
Apetece terminar dizendo: “Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência”.
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