PAN - UM NOVO PARADIGMA

Vivemos o fim de ciclo de um paradigma civilizacional esgotado, o paradigma antropocêntrico, cuja exacerbação nos últimos séculos aumentou a devastação do planeta, a perda da biodiversidade e o sofrimento de homens e animais. Impõe-se um novo paradigma, uma nova visão/vivência da realidade, ideias, valores e símbolos que sejam a matriz de uma nova cultura e de uma metamorfose mental que se expresse em todas as esferas da actividade humana, religiosa, ética, científica, filosófica, artística, pedagógica, social, económica e política. Esse paradigma, intemporal e novíssimo, a descobrir e recriar, passa pela experiência da realidade como uma totalidade orgânica e complexa, onde todos os seres e ecossistemas são interdependentes, não podendo pensar-se o bem de uns em detrimento de outros e da harmonia global. Nesta visão holística da Vida, o ser humano não perde a sua especificidade, mas, em vez de se assumir como o dono do mundo, torna-se responsável pelo equilíbrio ecológico do planeta e pelo direito de todos os seres vivos à vida e ao bem-estar.

Herdando a palavra grega para designar o "Todo", bem como o nome do deus da natureza e dos animais, o PAN - Partido pelos Animais e pela Natureza - incarna esse paradigma na sociedade e na política portuguesas.

O objectivo deste blogue é divulgar e fomentar o debate em torno de contributos diversos, contemporâneos e de todos os tempos, para a formulação deste novo paradigma, nas letras, nas artes e nas ciências.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Colocar-se no lugar do outro (artigo mensal de Paulo Borges na revista CAIS)

Num recente, inspirador e esclarecedor livro, Doze passos para uma vida solidária, Karen Armstrong mostra que o grande desafio para que indivíduos e povos possam viver hoje em harmonia numa comunidade global passa pela aplicação da Regra de Ouro de toda a ética, presente nas grandes tradições espirituais da humanidade e hoje também um imperativo laico: “Não fazer aos outros o que não gostaríamos que nos fizessem” e “Fazer aos outros o que gostaríamos que nos fizessem”. Isso implica a experiência de se colocar no lugar do outro, a experiência da em-patia ou da com-paixão, que não é um mero e ocasional ter pena emocional e condescendente, mas antes um abandonar a gravitação em torno de si mesmo para ser capaz de ver e sentir o mundo como o outro o vê e sente. É uma experiência de descentramento, de desobstrução do espaço ocupado pelo ego, individual ou colectivo, para constantemente sentir em si o que o(s) outro(s) sente(m), dores ou alegrias.

Em termos evolutivos, é a possibilidade aberta pelo surgimento do neocórtex, que nos permite a reflexão e o distanciamento dos instintos herdados no hipotálamo, procedentes dos primitivos répteis, há 500 milhões de anos, e designados como os 4 Fs: “feeding, fighting, fleeing e f… (alimentação, luta, fuga e “reprodução”). Todavia, se olharmos para a humanidade, ou seja, para nós mesmos, não deixa de ser incómodo e doloroso ver como em tantos aspectos da nossa vida pública e privada continuamos a comportar-nos como esses velhos répteis, dominados pelo complexo da presa-predador, pelo medo que leva à fuga e ao ataque, pela luta desenfreada por sobrevivência, por território, por ganho e por reprodução física e comportamental. É isto que no fundo explica o estado crítico em que está o mundo: a rápida evolução científica e tecnológica não foi acompanhada por uma igual evolução ética, mental e espiritual, fazendo com que indivíduos, grupos e nações ainda sujeitos aos mais primitivos instintos e emoções detenham sofisticados mecanismos de opressão, exploração e destruição militar e económica; temos hoje uma civilização global, em termos económico-tecnológicos, mas não uma consciência ética global.

Uma outra potencialidade reside todavia em nós, a do neocórtex e algo mais: o espírito ou a natureza profunda da mente. As suas qualidades naturais são a consciência global e a empatia amorosa e compassiva. São elas que nos permitem colocar-nos no lugar do outro, de todo o outro, não só dos nossos familiares e amigos ou membros do mesmo grupo, clube, empresa, partido, nação, religião ou espécie. São elas que, ao contrário dos velhos répteis que ainda somos, nos permitem alargar progressivamente o círculo dos nossos afectos e consideração moral, ao ponto de amar os nossos próximos como a nós mesmos, não deixando fora da categoria do próximo os nossos inimigos nem os membros de outras espécies, abrangendo ainda o mundo natural que é fonte comum da nossa vida. São elas que nos permitem experimentar dor e alegria com todos os que sofrem e são felizes e não sermos indiferentes aos pobres, doentes e sem abrigo, aos que padecem fome e sede, aos que são explorados, oprimidos, torturados, violentados e mortos, sejam humanos ou animais. É a nossa natureza profunda, à medida que se for libertando de parcialidades, que nos permite sentir igualmente a dor do desempregado, do sem abrigo, do porco, frango ou vaca no matadouro e do touro na arena. Simplesmente porque é dor, independentemente da forma e do aspecto de quem a sente. E é a nossa natureza profunda que nos permite sentir ainda compaixão por todos os que, por ignorância, avidez e ódio, são responsáveis pelas dores dos outros e pela doença que trazem em si mesmos, transmutando a revolta e a raiva em luta não-violenta contra essas acções.

É do cultivo dessa consciência ética global, abrangente de homens, animais e planeta, que depende a saída desta crise e o surgimento de uma nova civilização. Só a cultura da visão global, do amor e da compaixão pode salvar o mundo. O seu desenvolvimento, em todas as esferas da vida pública e privada, sobretudo por via da educação, tem de ser o maior imperativo e investimento de cada um de nós e de todo o governo que venha a ser digno desse nome. Enquanto se colocar a economia e as finanças acima da sabedoria, da compaixão e de leis que as expressem, a produção de riqueza será sempre para benefício de poucos e prejuízo da maioria. Enquanto se colocarem interesses de indivíduos e grupos de uma só espécie acima do bem comum da Terra e de todos os seres, enquanto não nos colocarmos no lugar do outro antes de cada pensamento, palavra e acção que o vai afectar, continuaremos a ser velhos répteis, grotescamente sofisticados em termos científico-tecnológicos, mas 500 milhões de anos atrasados e em risco de extinção.

(artigo de Paulo Borges, publicado no nº de Fevereiro de 2012 da revista CAIS, na secção "Cultura ENTRE Culturas")

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