PAN - UM NOVO PARADIGMA

Vivemos o fim de ciclo de um paradigma civilizacional esgotado, o paradigma antropocêntrico, cuja exacerbação nos últimos séculos aumentou a devastação do planeta, a perda da biodiversidade e o sofrimento de homens e animais. Impõe-se um novo paradigma, uma nova visão/vivência da realidade, ideias, valores e símbolos que sejam a matriz de uma nova cultura e de uma metamorfose mental que se expresse em todas as esferas da actividade humana, religiosa, ética, científica, filosófica, artística, pedagógica, social, económica e política. Esse paradigma, intemporal e novíssimo, a descobrir e recriar, passa pela experiência da realidade como uma totalidade orgânica e complexa, onde todos os seres e ecossistemas são interdependentes, não podendo pensar-se o bem de uns em detrimento de outros e da harmonia global. Nesta visão holística da Vida, o ser humano não perde a sua especificidade, mas, em vez de se assumir como o dono do mundo, torna-se responsável pelo equilíbrio ecológico do planeta e pelo direito de todos os seres vivos à vida e ao bem-estar.

Herdando a palavra grega para designar o "Todo", bem como o nome do deus da natureza e dos animais, o PAN - Partido pelos Animais e pela Natureza - incarna esse paradigma na sociedade e na política portuguesas.

O objectivo deste blogue é divulgar e fomentar o debate em torno de contributos diversos, contemporâneos e de todos os tempos, para a formulação deste novo paradigma, nas letras, nas artes e nas ciências.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

A Cidade Invisível


Mas a cidade não contém o seu passado, ela conta-o como as linhas da mão, escrito nos ângulos das ruas, nas grades das janelas, nos corrimões das escadas, cada segmento riscado por arranhões, entalhes, esfoladuras

Italo Calvino, “As Cidades Invisíveis”


Há sinais de abandono evidentes, cafés e lojas sem vida, fachadas a apodrecer, o peso da inércia e da descrença pesando sobre o casario do velho coração da cidade. Os dias invernosos, a chuva, a humidade entranhada acentuam o ar lúgubre da vetusta Rua do Comércio, outrora artéria central da urbe, agora ameaçada por um fenómeno de esclerose mais vasto que vai debilitando toda uma região.

Somos do interior de um território, de um tempo, de um país que jamais se soube organizar como corpo coerente, nem mesmo em tempos de abundância quando à metrópole aportavam o oiro e a pimenta. Confiado na sua dimensão ultramarina e nos proventos das colónias, o Estado descurou qualquer ambição de desenvolvimento do país, ao mesmo tempo que crescia desproporcionadamente. A explicação oportuna pertence a Rui Ramos, coordenador da novíssima “História de Portugal”. De acordo com o mesmo, “isso criou um poder político centrado em Lisboa, transformada quase em cidade-estado onde tudo se passava, à margem de um interior rural e pobre com que ninguém se preocupava”.

E aqui, nesta cidade encastrada no suave declinar da serra, porto de alegria por inventar, o peso da interioridade assume contornos particulares, de saturação, de enervamento, de falhanço colectivo, gerando uma atmosfera peculiar, com a sua nota de encanto funesto. Trocam-se sorrisos pouco claros, adia-se qualquer gesto de partilha calorosa, foge-se para Espanha, para Castelo Branco, para Lisboa, de modo a escapar à pequena representação, à farsa sem sentido dos dias convencionados e das rotinas replicadas sem alma.

Busca-se o pulsar forte de uma urbe, o gozo descomprometido, as luzes e o estrépito dos centros comerciais, e volta-se com o pequeno remorso de uma traição inconsequente, de um devaneio carecido de ousadia. O quotidiano retomado é apenas vagamente doloroso, repleto de rumores inconsequentes, de conversas banais sobre a actualidade mediática, que são o prenúncio de uma resistência já quebrada, de um retorno tolerante aos lugares de todos os dias.

Assim se vai escrevendo uma história de resignação, de desenvolvimento adiado, amordaçadas as almas por esta ambiência soturna de uma cidade que parece cada vez mais falhar a sua vocação como capital de um distrito, onde outros vão assumindo maior protagonismo.

A cidade sobrevive dificilmente, presa às memórias de um tempo onde a azáfama das fábricas, do pequeno comércio, dos serviços desenhavam um cenário tranquilizador, no qual não faltava, ainda, o bulício dos cafés como O Facha, O Central, O Alentejano e O Tarro (os mais velhos evocarão, porventura, O Plátano, O Alpendre, a inolvidável tasca do Marchão). Perderam-se traços identitários fortes, o Cinema no Crisfal é mera recordação, o Jardim da Corredoura foi impiedosamente trucidado, o Clube de Ténis, a Quinta da Saúde, o Colégio de Santo António jazem num limbo de esquecimento, entre muitos outros espaços que subsistem maltratados e desprezados.

Esta incapacidade para manter vivos e estimar símbolos basilares no plano da vivência colectiva, tem-se revelado como um dos factores mais desgostantes e desmobilizadores para muitos dos que vão teimando em ficar, presos ao apego de uma matriz indiscernível, de um perfume difuso de casas antiquíssimas. Para estes, restará sempre o pulsar nostálgico dos lugares, o alento de memórias percutidas desde o fundo de uma cidade que se debate entre a realidade e a lenda, como uma dessas “cidades invisíveis” descritas por Italo Calvino com minúcia poética.

Dou por mim a caminhar pelas mesmas ruas de sempre, na peugada de alguma coisa perdida ou por acontecer, fiel a uma cidade que é a minha, pelo que dela sei tanto quanto pelo que dela desconheço. Trata-se de uma busca circular, infecunda, pois no fundo os lugares, tanto quanto as pessoas, existem apenas enquanto passado reificado ou futuro em esboço, e o presente é essa ordem adiada a debater-se entre as realidades fantasmáticas da memória e do desejo.

Contra a evidente estratégia de asfixia imposta pelo poder central (veja-se, por exemplo, como o orçamento de estado do presente ano nos reduz à quase insignificância), contra a ineficácia das estratégias locais e os atavismos que nos afundam numa magoada melancolia, Portalegre persiste e vai fitando, recalcitrante, o futuro.

Há novos espaços de cultura, de encontro e de convívio, mas a continuada sangria populacional documentada pelas estatísticas gera inquietação. Há novos agentes de desenvolvimento e novas plataformas de intervenção, mas o centro histórico está a morrer aos poucos e o pequeno comércio é, cada vez mais, uma realidade acossada. Paira alguma incompreensão, quanto a opções que dificultam uma afirmação de valores culturais e históricos próprios. Falta, na mesma medida, um pensamento orientador que ataque as razões de isolamento e permita uma maior visibilidade e atractividade no contexto regional e transfronteiriço em que nos inserimos.

Socorro-me dos versos de Cesariny: “Faz falta por aqui uma grande razão”, uma razão que não seja a soma de pequenos interesses instalados, de egoísmos ressabiados, mas um impulso participado para romper a abulia e o medo de existir que, também por aqui, nos vai tolhendo a vontade.

Esta é, em todo o caso, uma terra para habitar sem fatalismos, na expectativa crua de que é feita a vida em qualquer lugar, tão semelhante afinal é o destino que nos empurra e nos molda. Num arrepio de horas irreais, contemplo-a vezes sem conta em busca de uma cintilação, de um contorno, de uma linha pulsante, e medito as múltiplas ramificações a que dá lugar na imaginação de todos os que a habitaram ou habitam. Tal como um poema é composto de palavras, uma cidade é composta de homens, homens que sonham diferentes cidades dentro da cidade.

Portalegre revelada por uma teoria poética de fractais, um segredo guardado demasiado tempo, um saber rarefeito, isto ou o silêncio acumulado dos muros, o escudo de cal defensiva, memórias presas num dúbio limiar de autenticidade.

Carlos Baptista

Colaborador da Revista Pormenores

terça-feira, 17 de maio de 2011

Principais propostas do programa Político do PAN: 1 - Cultura

Iniciamos aqui a publicação das principais propostas apresentadas no Programa Político do PAN. Para mais desenvolvimentos: http://partidoanimaisnatureza.com/ficheiros/PAN_Prog_Pol_2011.pdf

1) A Cultura e a Educação devem ser áreas privilegiadas pelo Orçamento do Estado,
como decisivas para o presente e futuro da Nação, em detrimento de gastos sobredimensionados e desnecessários com as Forças Armadas e com obras públicas que
visem não o bem comum, mas apenas interesses particulares e a ostentação e propaganda
dos governos.

2) Promoção da Cultura como um dos factores fundamentais da formação dos cidadãos
e em todos os seus aspectos: não só tecnológica, mas também filosófica, científica,
literária e artística. As desvantagens da especialização excessiva devem ser
compensadas com a promoção da interdisciplinaridade.

3) Investimento na promoção de uma cultura de valores fundamentais da humanidade,
como a paz, a não-violência e o respeito pelo outro, extensivos não só aos homens,
mas também aos animais e à natureza. Disso depende um aumento da consciência
cívica e uma melhoria da sociedade humana.

4) Criação de um departamento no Ministério da Cultura, em estreita colaboração com
o Ministério da Educação, destinado a promover, sobretudo nas camadas mais jovens
e nos vários níveis de escolaridade, uma consciência ética e solidária igualmente
abrangente de homens, animais e natureza.

5) Extinção da secção de tauromaquia no Conselho Nacional de Cultura, pois a tauromaquia não é uma tradição nacional e consiste numa prática que contradiz os princípios elementares de uma cultura ética e não-violenta.

6) Promoção da cultura portuguesa e lusófona em Portugal e no mundo, destacando
também o contributo pioneiro de vários autores portugueses, como Antero de Quental,
Guerra Junqueiro, Sampaio Bruno, Teixeira de Pascoaes, José Marinho, Eudoro
de Sousa e Agostinho da Silva, entre outros, para uma antecipação da actual consciência ecológica, bem como para a crítica do antropocentrismo e do especismo, propondo uma ética holística.

7) Promoção em Portugal e na comunidade lusófona dos valores ecológicos e de defesa
do valor intrínseco da natureza e de todos os seres vivos.

8) Promoção em Portugal e na comunidade lusófona, na linha da tradição universalista
da história e da cultura portuguesas, o conhecimento das múltiplas línguas e culturas
planetárias, com muitas das quais os Portugueses tiveram contactos pioneiros e
nas quais se podem encontrar paradigmas culturais complementares da tradição europeia-ocidental, frequentemente mais harmoniosos no que respeita à relação da
espécie humana consigo, com os seres vivos e com a natureza. Um português culto
e bem formado deve ter uma consciência multicultural e universalista, não apenas
cingida à cultura nacional, lusófona e europeia-ocidental.

9) Assumir Portugal como o país da multiculturalidade, do diálogo intercultural e inter-religioso, do ecumenismo e da paz, promovendo, sem parcialismos mas com
verdadeira abertura e universalismo, encontros internacionais entre líderes religiosos ou espirituais, ateus e agnósticos, assim como políticos e económicos, destinados à busca de mediação e resolução de conflitos, bem como a encontrar respostas para a resolução dos grandes desafios e questões com que se debate a humanidade no início do século XXI.

10) Fomento em Portugal de uma consciência cívica e ética formada no respeito de pessoas e instituições pela Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) e pela
Carta da Terra (1994). Fomos pioneiros na abolição da pena de morte e da escravatura
e sensibilizámos a comunidade internacional para o drama de Timor. Devemos
estar hoje à altura desta tradição e mobilizar-nos para os grandes desafios éticos,
culturais e civilizacionais do nosso tempo. Portugal deve posicionar-se sempre na
primeira linha da expansão da cultura e da consciência, da luta por uma sociedade
mais justa, da defesa dos valores humanos fundamentais e das causas humanitária,
animal e ecológica. Portugal deve tornar-se um País Ético em todos os domínios, o
que depende de um forte investimento cultural e educativo, sobretudo na formação
das novas gerações.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

OS MERCADOS

Televisões, rádios e jornais, noticiários, analistas e comentadores, repetem a toda a hora as palavras que todos já conhecemos de cor: sacrifícios, crise, cortes, instabilidade dos mercados. Os mercados, sobretudo. E mais as agências de rating.

Deve certamente haver alguma razão para tudo isto, mas faz-nos confusão o excesso com que os mercados, as suas instabilidades e caprichos, e toda esta engrenagem em que uma minoria de especuladores arrastam milhares de milhões (de pessoas, não de dólares, euros, libras ou ienes) para passarem anos-vidas inteiras como animais de carga, a quem se cortam as rações. Como se não fosse já suficientemente mau o que fazemos aos animais…

Não aderimos ao culto destes deuses contemporâneos: mercados, empresas, produtividade, competitividade, deficits, orçamentos, cortes e tal e tal!

Para onde vai a nossa celebrada civilização de progresso? Seremos mesmo “civilização”? Será tudo isto, mesmo, progresso? Que progresso é esse, de quem e para onde? Ou será apenas – ou em grande parte – alienação e dependências?

Quem vai dentro deste comboio infernal continua a gritar de excitação mas se conseguíssemos vê-lo de fora, que pensaríamos do caminho por onde segue e de tudo e todos por cima dos quais vai passando, no seu trilhar vertiginoso?

O problema será o de estar a haver uma crise – ou será que é todo um conjunto de princípios que estão errados de raiz?

José Manuel Anacleto

(texto publicado no nº 37 da revista Biosofia)

O PREVISÍVEL COLAPSO

Como suponho acontecer com todos os que não se consideram nem pretendem parecer omniscientes ou infalíveis e que reflectem não apenas sobre o mundo dito externo ou objectivo mas, também sobre si próprios,

já mudei várias vezes de opinião, já alterei pontos de vista que outrora tive por correctos, já tomei consciência de que me enganei.

Ainda em outras situações, só mais tarde conseguir entender a que ponto estava condicionado ou a partir de preconcebidos (sem dar por isso) nos meus pensamentos nas avaliações que fazia sobre este ou aquele aspecto.

Dito isto, estou mais à vontade para apresentar um artigo que escrevi e editei há nove anos atrás e que, ao reler a esta distância, constato como antecipava a aquilo que escapou a muitos dos especialistas de economia – ou, melhor, a muitos dos cultores do economicismo “puro e duro”.

O PÊNDULO DO RELÓGIO

Durante grande parte do século XX, sobretudo nas décadas de 40 a 80, os regimes e os partidos comunistas, ou semelhantes, implantaram-se e ganharam força numa grande parte do mundo. Constituíram uma realidade complexa, onde se misturaram ideias altruístas e pessoas generosas, com princípios equivocados e práticas monstruosas. Depois, vieram os sinais e, posteriormente, as evidências do seu declínio. Em muitos aspectos, ainda bem que assim foi.

Entretanto, uma onda avassaladora de neo-liberalismo, agora sem praticamente encontrar resistência, inundou o mundo quase inteiro. Com uma agressividade refinada, com uma promessa, explícita ou implícita, de bem estar fácil e imediato, com um apelo irresistível aos prazeres do consumismo, parece ter convertido e submetido tudo e todos, encontrando os mais surpreendentes aliados. Com honrosas e elogiáveis excepções, o poder económico usa e abusa, põe e dispõe, domina, explora, controla, manipula e deita fora – seres humanos -, de maneira fria, impiedosa, desumana e quase ilimitada.

Apesar de todos os seus erros e horrores, o comunismo (ou o medo do comunismo) representava, afinal, um freio para um economicismo capitalista desumano e desenfreado. Não obstante os seus exageros de retórica e (por vezes) injusta agressividade, o sindicalismo de há décadas atrás era, afinal, moderador da prepotência e da indiferença de quem detém o poder económico. Agora, parece não haver limites.

No entanto, o passado mostra-nos à evidência os movimentos pendulares do relógio da História. Tenha-se lucidez, bom senso e visão: é preciso pôr limites equilibrados, humanos e justos a estes excessos neo-liberais. Caso contrário, não nos iludamos: advirão enormes convulsões sociais, levantar-se-ão legiões de desempregados, de homens e mulheres desesperados e sem futuro, surgirão movimentos tão ameaçadores como os que deram origem às piores ditaduras – de esquerda ou de direita – do século que passou. Não é preciso nenhum dom de profecia para o ver...

José Manuel Anacleto

(Artigo publicado em 2002 na revista Biosofia)

sábado, 7 de maio de 2011

Cultivar a consciência ecológica

"(...) cultivar a consciência ecológica. Esse processo implica que nos tornemos mais conscientes da efectiva realidade das rochas, dos lobos, das árvores e dos rios - o cultivo da intuição segundo a qual tudo está ligado com tudo. Cultivar a consciência ecológica é um processo em que se aprende a apreciar o silêncio e a solidão e a redescobrir a capacidade de escutar. Em que se aprende como ser mais receptivo, confiante, holístico na percepção, enraízado numa visão não-exploradora da ciência e da tecnologia"

- Bill Devall / George Sessions, "Ecologia Profunda. Dar prioridade à natureza na nossa vida", Águas Santas, Edições Sempre-Em-Pé, 2004, p.23.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

10 Razões pelas quais não faz qualquer sentido surgir o PAN e não deve ler este post

1 - A política e os políticos portugueses são exemplares e não faz qualquer sentido surgir algo completamente novo e diferente.

2 - Portugal é um país-modelo e um paraíso no tratamento dos seres humanos, dos animais e da natureza e não faz qualquer sentido surgir um partido de Causas, que une a causa animal, humanitária e ecológica e quer fazer aprovar leis que protejam o direito de homens e animais ao bem-estar e à felicidade.

3 - Portugal tem partidos éticos, que colocam o bem comum acima dos interesses partidários, não promovem carreiras e clientelas e não obedecem a lobbies económicos. Por isso não faz qualquer sentido surgir um partido de Valores, um Partido Inteiro, pelo bem de tudo e de todos.

4 - Portugal tem uma política económica em que a produção da riqueza está ao serviço da satisfação das necessidades fundamentais da população e por isso não faz qualquer sentido surgir um partido que defende uma economia de mercado subordinada ao bem social e ecológico.

5 - Portugal é um exemplo europeu e mundial de justiça social e fiscal e de moralidade nos salários da administração pública e por isso não faz qualquer sentido surgir um partido que defende a redução das assimetrias sociais, tectos nos salários e reformas dos gestores públicos e contributos fiscais proporcionais aos rendimentos, que não penalizem sistematicamente os médios e baixos rendimentos decorrentes do trabalho.

6 - Portugal é um país autosustentável, que não depende de importações em áreas vitais, e por isso não faz qualquer sentido surgir um partido que defende a agricultura e as energias renováveis como sectores estratégicos.

7 - Portugal tem tido sucessivos governos que têm investido demasiado na cultura e na educação, bem como na qualidade e dignidade do ensino, e por isso não faz qualquer sentido surgir um partido que considera que isso deve ser um investimento central do Orçamento de Estado e que os professores devem ser social e profissionalmente redignificados como fundamentais para a formação de pessoas solidárias com o outro, seja o homem, o animal ou a natureza.

8 - Portugal tem um excelente Serviço Nacional de Saúde, de qualidade, rápido e acessível a todos, e por isso não faz qualquer sentido surgir um partido que afirma que esta é uma das grandes promessas por cumprir desde o 25 de Abril de 1974, que deve incluir a medicina dentária e as medicinas alternativas devidamente regulamentadas.

9 - Os portugueses têm excelentes hábitos alimentares e não sofrem de doenças causadas por uma nutrição desequilibrada. Por isso não faz qualquer sentido aparecer um partido que defende uma redução pedagógica do consumo de carne, sobretudo industrial, bem como a promoção de alternativas vegetarianas, em prol da saúde humana, do bem-estar animal e do equilíbrio ecológico.

10 - Portugal tem uma democracia e cidadania activa e consciente, os cidadãos participam maioritária e entusiasticamente na vida política, confiam no Estado e nos seus representantes eleitos, que sacrificam os seus interesses pessoais e partidários para se consagrarem inteiramente ao bem comum. Por isso não faz qualquer sentido surgir um partido que defende que os deputados não possam acumular funções e que assume ser a voz dos abstencionistas, dos que votam em branco e nulo e de todos os descrentes na política, mobilizando-os para um exercício mais pleno da cidadania e para a renovação da democracia.

Por estas e por muitas outras razões o surgimento do PAN - Partido pelos Animais e pela Natureza - é um absurdo. Se leu este post é o momento de o esquecer. Sobretudo não o divulgue, para que este perigo não se propague mais. É que pode tornar-se contagiante e originar uma PANdemia. Portugal ainda se arrisca a ser um país a sério.

http://www.partidoanimaisnatureza.com/

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Oiconómia

A palavra “economia”[1] vem do grego “oikos” (ὁ), os bens, e de “nómos” (ὁ), a lei. O “oἰkonómos” seria então o administrador dos bens, o que geria os bens da casa, “oἰkía”. Ora, se em acto de Amor, em ética fraterna, entendermos por "casa" toda a Natureza[2], afinal também o somatório de todas as formas que servem de veículos à prossecução da Vida, temos necessariamente de entender a gestão da “casa” como a administração integradora de todo o conjunto dos ecossistemas que habitam a Casa-Mãe, o Planeta Terra. Deste modo, deixará de haver gestão alienante, progressivamente substituída pela administração/governação dos que cumprem e mostram as leis que regem a Vida, dos princípios subjacentes a toda a Natureza. Deste modo, Terra, Ecossistema, Vida, Natureza, todos os reinos vivenciais – quer se lhes atribua ou não “senciência” – não mais poderão ser entendidos como separados e fragmentados segundo as visões paranóicas, antropocêntricas, especistas ou mesmo hedonistas. Serão, isso sim, experienciados como subsistemas interdependentes cujas unidades estão absolutamente interligadas e interdependentes.

No entanto, como sabemos, uma ideia mais profunda de administração/governação daquilo que é comum à Casa-Mãe – a “oiconómia”, necessariamente abrangente e fraterna – quando introduzida em mentes de superfície nada mais ocasiona do que desaires, como se tem visto e se verá, ocorrendo as ditas “desventuras” com pesadas consequências para todos, mas tantas vezes originadas na mediocridade dos que, metidos a seguidores dos Mistérios de Hércules, nada mais fazem do que introduzir severas distorções no Grande Sistema.

Deste modo, temos de contribuir para a progressiva substituição da ideia absurda porque redutora de “economia” – enquanto materialismo amplamente poluidor, de pendor biocídico e zoofóbico, assente na matriz assassina da separatividade, sempre geradora de sofrimento a animais humanos e não humanos – por uma “Oiconómia”, uma vivência segundo as Leis da Natureza, da Vida, da Casa-Mãe que todos experienciamos e na qual, sem exclusão de partes, coabitamos e residimos.

Segundo este modelo fraterno e abarcante, antropocentrismos, especismos e hedonismos[3], são patologias do pensar e do mal conviver, um poderoso antídoto às simbioses que remetem à completude e abarcância da Vida.

Assim, para todos, sem excepção, esta humilde chamada de atenção que não é um nó de exclusão mas sim uma abertura de inclusão, uma sugestão de integração, onde cada um é simultaneamente um e muitos, para que todos sejamos tudo e todo, simples e reluzentes notas harmónicas na grande sinfonia da Vida, contribuindo para uma progressiva redução das tensões que, mesmo assim, enquanto movimento, remetem tendencialmente e sempre para o acorde fundamental, para uma «harmonia das esferas». Digamos sim à Vida, façamos coro harmonioso dentro da Natureza!

António E. R. Faria



[1] Muito se fala de economia! Economia para aqui, economia para ali, economia como a tábua de salvação, remédio miraculoso que, segundo alguns e à revelia do mais elementar bom senso, nos conduzirá alegadamente a céus vivenciais! Equivocar-se-ão esses, os do pregão balofo e insensato, nada mais fazendo do que sorrateiramente divulgar os “paraísos” de entrada reservada enquanto todos os outros, a esmagadora maioria, humanos e não humanos, se arrastam como meros “carregadores”, calhando-lhes em sorte a abundância da precariedade e as vivências de sofrimento, geradas em boa medida por essa meia dúzia de ignorantes (da Vida) metidos a hábeis gestores da dominação.

[2] E não somente os bens, entendidos como o que se pode dispor a bel-prazer, à revelia do direito à felicidade inerente a todos os seres sencientes e ao equilíbrio dos ecossistemas.

[3]Esses egos enormes, sempre em busca de novos prazeres, que tendencialmente introjectam o mundo numa espécie de neurose obsessiva de afectividade viscosa, deliciando-se amiúde a capturar os outros egos.

domingo, 1 de maio de 2011

Começar de Novo

Todos nós, individual e colectivamente, criamos hábitos. Alguns são inúteis ou nocivos; outros constituem factores positivos e indispensáveis. Mesmo entre estes, porém, há os que se tornaram desnecessários, cristalizações que nos cegam e nos aprisionam a visões e a fases evolutivas já ultrapassadas. Quando tal acontece, então, questionarmo-nos, renovarmo-nos, rever ideias, pressupostos e maneiras de pensar, de estar ou de fazer – enfim, COMEÇAR DE NOVO -, é algo de fundamental.

Sempre que os conceitos se degradam em preconceitos, a organização se acomoda em falta de criatividade, a firmeza se torna em prepotência ou dureza de coração, é tempo de pararmos. É tempo de voltar a sorver ar que não esteja já contaminado. É tempo de redescobrir horizontes. É tempo de fazer novos projectos, construir novos modelos, formular novas exigências, encontrar novos equilíbrios – despertar a criatividade.

Hoje, que todos sentimos que o mundo está numa encruzilhada, parece ser um desses momentos, com os seus riscos e oportunidades. Perspectivando o futuro, que a todos concerne, é hora de a todos ouvir sem preconceitos, respeitosa e atentamente, como quem partilha e não como quem disputa. É hora, além do mais, de ouvir outras vozes. Diferentes das mesmas – quase sempre as mesmas – que têm opinado sobre (quase) tudo e que, em (quase) tudo, conduziram o mundo a uma grande encruzilhada.

José Manuel Anacleto

(Publicado no nº 17 da Biosofia)

Os Mercados

Televisões, rádios e jornais, noticiários, analistas e comentadores, repetem a toda a hora as palavras que todos já conhecemos de cor: sacrifícios, crise, cortes, instabilidade dos mercados. Os mercados, sobretudo. E mais as agências de rating.

Deve certamente haver alguma razão para tudo isto, mas faz-nos confusão o excesso com que os mercados, as suas instabilidades e caprichos, e toda esta engrenagem em que uma minoria de especuladores arrastam milhares de milhões (de pessoas, não de dólares, euros, libras ou ienes) para passarem anos-vidas inteiras como animais de carga, a quem se cortam as rações. Como se não fosse já suficientemente mau o que fazemos aos animais…

Não aderimos ao culto destes deuses contemporâneos: mercados, empresas, produtividade, competitividade, deficits, orçamentos, cortes e tal e tal!

Para onde vai a nossa celebrada civilização de progresso? Seremos mesmo “civilização”? Será tudo isto, mesmo, progresso? Que progresso é esse, de quem e para onde? Ou será apenas – ou em grande parte – alienação e dependências?

Quem vai dentro deste comboio infernal continua a gritar de excitação mas se conseguíssemos vê-lo de fora, que pensaríamos do caminho por onde segue e de tudo e todos por cima dos quais vai passando, no seu trilhar vertiginoso?

O problema será o de estar a haver uma crise – ou será que é todo um conjunto de princípios que estão errados de raiz?

José Manuel Anacleto

(Publicado no nº 37 da Biosofia)