PAN - UM NOVO PARADIGMA

Vivemos o fim de ciclo de um paradigma civilizacional esgotado, o paradigma antropocêntrico, cuja exacerbação nos últimos séculos aumentou a devastação do planeta, a perda da biodiversidade e o sofrimento de homens e animais. Impõe-se um novo paradigma, uma nova visão/vivência da realidade, ideias, valores e símbolos que sejam a matriz de uma nova cultura e de uma metamorfose mental que se expresse em todas as esferas da actividade humana, religiosa, ética, científica, filosófica, artística, pedagógica, social, económica e política. Esse paradigma, intemporal e novíssimo, a descobrir e recriar, passa pela experiência da realidade como uma totalidade orgânica e complexa, onde todos os seres e ecossistemas são interdependentes, não podendo pensar-se o bem de uns em detrimento de outros e da harmonia global. Nesta visão holística da Vida, o ser humano não perde a sua especificidade, mas, em vez de se assumir como o dono do mundo, torna-se responsável pelo equilíbrio ecológico do planeta e pelo direito de todos os seres vivos à vida e ao bem-estar.

Herdando a palavra grega para designar o "Todo", bem como o nome do deus da natureza e dos animais, o PAN - Partido pelos Animais e pela Natureza - incarna esse paradigma na sociedade e na política portuguesas.

O objectivo deste blogue é divulgar e fomentar o debate em torno de contributos diversos, contemporâneos e de todos os tempos, para a formulação deste novo paradigma, nas letras, nas artes e nas ciências.

domingo, 24 de abril de 2011

Páscoa - uma reflexão incómoda

Comemora-se hoje o Domingo de Páscoa, uma das grandes festas da Cristandade e da cultura ocidental. Religiosos ou não, milhões de seres humanos, em Portugal e no mundo, estão a reunir-se em família à volta dos mais diversos petiscos e iguarias, comungando e celebrando a alegria e o prazer de estarem juntos na maravilhosa aventura da vida.

É humano. Mas será também humano não terem consciência ou procurarem esquecer que, ao fazê-lo, estão na imensa maioria dos casos a usufruir de uma alegria e de um prazer obtidos à custa do sacrifício involuntário, forçado, violento e doloroso de muitos milhões de vidas de animais, indivíduos conscientes e sencientes que, tal como nós, têm um interesse fundamental em estar vivos, com liberdade e bem-estar?

Páscoa, do hebreu Pésah, deriva provavelmente do verbo pasah, “saltar por cima” e assumiu o sentido de passagem, correspondendo nos nossos calendários a um tempo de regeneração. O filósofo judeu Fílon de Alexandria, contemporâneo de Cristo, viu a Páscoa como a libertação do espírito do domínio das paixões obscuras. E Cristo foi assumido pelos cristãos como aquele que dá a vida e o sangue pelos outros, pondo fim a todo o sacrifício sangrento do outro, humano ou animal. É nessa mutação ética e espiritual que consiste a verdadeira Ressurreição, que nos evangelhos gnósticos, como o de Filipe, é algo a viver desde já, em vida, e não após a morte. Algo a viver a cada instante e não só num Domingo por ano.

Parece evidente não ser esse o exemplo que seguimos, quando nos banqueteamos com a carne dos animais (terrestres ou aquáticos). Parece evidente que na Páscoa que inconscientemente celebramos nada há de “saltar por cima”, de transcender, de ir além dos nossos apetites mais irracionais e dos nossos hábitos familiares e sociais mais enraizados. Parece evidente que nesta Páscoa nada há de pascal, como no Natal nada há de natalício, sempre que um homem novo não nasça no presépio da alma.

Mas se é humano ter hábitos, mais humano ainda é reflectir sobre eles e questioná-los. Apelo por isso a que hoje, quando nos debruçarmos sobre as mesas familiares adornadas e repletas dos mais apetecíveis manjares, sejamos capazes de contemplar nem que seja um minuto a crua realidade de estarem cheias dos corpos dilacerados de seres antes vivos como nós, a maioria deles criados em condições de holocausto e abatidos para nos proporcionarem uns brevíssimos minutos de prazer sensorial e fútil, que logo se desvanece para nos deixar com a mesma insatisfação de sempre. E então, se não somos ainda capazes de renunciar a esse alimento, levemo-lo à boca, mastiguemo-lo e engulamo-lo. Mas com um mínimo de consciência e compaixão pelo companheiro de existência a quem fazemos passar pelo que mais tememos e menos desejamos: a morte violenta, sem que a nossa vida disso dependa.

Será incómodo, decerto, mas valerá a pena. Tornará a nossa Páscoa menos cega e mais pascal, mais propícia a uma transformação da consciência, a uma passagem, a um ir para além da nossa ignorância e insensibilidade. Será um daqueles incómodos que nos tornam seres humanos melhores. Sobretudo se, na nossa tomada de consciência do sofrimento dos animais, não esquecermos o dos homens, o de todos os seres, abrindo o coração à infinita compaixão pela dor do mundo. É isso que nos pode abrir o caminho da grande e verdadeira Alegria, a de ver que é possível acabar com o sofrimento, começando por aquele de que somos directamente responsáveis.

24.04.2011 - Domingo de Páscoa

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