Todos os dias, nas grandes cidades do nosso país, dezenas de cães são abandonados ou perdem-se dos seus “donos” (mais propriamente, dos seus “amigos mais próximos”, já que “dono” é uma triste designação). Ambas as realidades são terríveis. E ambas não encontram resposta civilizada por parte das autoridades camarárias.
Em ambos os casos, os cães são votados ao abandono indefinido, vagueando sem destino, na total desorientação ou, depois, doença e apatia. Pior, é o facto (a que nós os condenámos) de, nas ruas pavimentadas – privados de um habitat natural – não lhes restar alternativa, a menor hipótese de “lutar pela vida” em busca de alimento.
Quando o cão se perde
Diga, de si, quem teve esta angustiante experiência. O “dono” só pode contar consigo e com a ajuda de algumas pessoas mais próximas que, eventualmente, conheçam o animal perdido. Aflito, angustiado, o “don”o pode percorrer as ruas, ou afixar nas árvores e locais comerciais algumas fotocópias implorando atenção e ajuda na procura do seu terno amigo...
Nenhuma Instância devidamente organizada funciona como entreposto de recolha e restituição do animal. Nenhuma Instância devidamente se preocupa, o abriga e identifica a situação de perda, providenciando para que o dono o possa, com segurança, localizar. Deste modo, o animal, habituado que está à protecção e manutenção do lar, fica muito mais exposto e vulnerável do que o seria um cão selvagem, pois não gerou instintos de defesa e de sobrevivência. Desorienta-se com facilidade e, na sua busca acidentada, afasta-se mais e mais da zona de habitação, reduzindo cada vez mais a possibilidade de o dono o poder resgatar.
Por outro lado, um cão doméstico, mais do que um cão vadio, não sabe procurar comida. É, pois, uma crueldade – que diz respeito a todos nós, que é uma responsabilidade cívica e social – gerarmos um sistema que os confina à condição de nossos dependentes, de animais de companhia (por vezes de simples “luxo” ou ostentação), para depois não garantirmos a sua condigna sobrevivência.
Quando o cão é abandonado
Não adianta culparmos exclusivamente um dono que abandona o seu animal. Há casos e casos e casos... e, por vezes, pode surgir uma situação incontornável, uma completa impossibilidade de manter a guarda e cuidados do animal que foi nosso companheiro: uma situação de morte (do próprio “dono”), ou de grave doença incapacitante, uma mudança dramática e compulsiva das condições de vida ou de habitabilidade (como por exemplo, uma mudança de casa para onde não é permitido o arrendamento com animais), etc, etc.. E, para estes casos, é claro que deveria haver uma alternativa que não penalizasse o animal...
Não se trata aqui de desculpabilizar quem tenha maior ou menor grau de culpa. Tal não nos compete nem é o mais importante. O importante é obviarmos, todos, à tomada de consciência e de responsabilidade colectiva, que, essa sim, diz respeito a todos nós. Mais que tudo, interrogamo-nos ingentemente: por que não existe um sistema organizado, humanitário, que defenda estas pobres criaturas de um enorme sofrimento e de uma morte lenta?
Os canis municipais existentes envergonham-nos. Não se pode admitir um tal “encolher de ombros” das nossas autoridades – se querem, ao menos, que as respeitemos!... Não se pode admitir uma tal incúria num país que se quer “civilizado”. É dever do Estado prover as condições para albergue dos animais que nós, todos, tornámos indefesos e, em absoluto, dependentes da nossa intervenção solidária.
1 comentários:
Só o título já me faz estremecer de comoção. "Os canis municipais existentes envergonham-nos". É mesmo assim, com muitos
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