PAN - UM NOVO PARADIGMA

Vivemos o fim de ciclo de um paradigma civilizacional esgotado, o paradigma antropocêntrico, cuja exacerbação nos últimos séculos aumentou a devastação do planeta, a perda da biodiversidade e o sofrimento de homens e animais. Impõe-se um novo paradigma, uma nova visão/vivência da realidade, ideias, valores e símbolos que sejam a matriz de uma nova cultura e de uma metamorfose mental que se expresse em todas as esferas da actividade humana, religiosa, ética, científica, filosófica, artística, pedagógica, social, económica e política. Esse paradigma, intemporal e novíssimo, a descobrir e recriar, passa pela experiência da realidade como uma totalidade orgânica e complexa, onde todos os seres e ecossistemas são interdependentes, não podendo pensar-se o bem de uns em detrimento de outros e da harmonia global. Nesta visão holística da Vida, o ser humano não perde a sua especificidade, mas, em vez de se assumir como o dono do mundo, torna-se responsável pelo equilíbrio ecológico do planeta e pelo direito de todos os seres vivos à vida e ao bem-estar.

Herdando a palavra grega para designar o "Todo", bem como o nome do deus da natureza e dos animais, o PAN - Partido pelos Animais e pela Natureza - incarna esse paradigma na sociedade e na política portuguesas.

O objectivo deste blogue é divulgar e fomentar o debate em torno de contributos diversos, contemporâneos e de todos os tempos, para a formulação deste novo paradigma, nas letras, nas artes e nas ciências.

domingo, 20 de março de 2011

Para um Paradigma Aberto e Penetrante

Erro, Ilusão e Modelo Bafioso

III

Os paradigmas são modelos cujas regras implícitas são muitas vezes cumpridas por uma consciência bastante difusa das causas subjacentes e consequências operantes. Uma das razões para que tal suceda assenta no facto de um paradigma possuir zonas gradativas de inteligibilidade. Para lá de um nível de verificação empírica e do sistema de aparente coerência lógica[1] que se situa na sua zona intermédia, existe uma camada mais encapotada que é de mais difícil percepção. É essa raiz que deveremos compreender e iluminar sob pena de operarmos algo que afinal não compreendemos, o que nos tem conduzido a práticas e situações inaceitáveis. Essa camada escondida e sedimentada obriga a uma prática cega e a uma dificuldade acrescida no que respeita à emergência de um novo paradigma, de arquitectura aberta e verdadeiramente humano. Devido a essa incompreensão, os movimentos dos indivíduos tornam-se erráticos, na verdade acríticos, tendo dificuldade em se poderem estabelecer como força coesa, consequentemente conducente à necessária transformação.

Assim, é no âmago desse modelo que reside o princípio ordenador das escolhas das ideias que orientam os discursos, os modelos teóricos a propor ou a rejeitar. É essa zona que concede o predomínio a certas operações lógicas enquanto outras são afastadas ou liminarmente rejeitadas.

Aquela zona profunda é o ponto de origem das validações tácitas e das generalizações do sistema lógico eleito, o que dá lugar ao surgimento de necessidades e “verdades” manifestadas e controladas pelas teorizações e prédicas associadas. Neste jogo de regulamentação e ostracismo fundam-se, fundamentam-se e exprimem-se os postulados e ditames[1] orientadores das práticas vivenciais.

É já na esfera de conceptualização, a faixa dos conceitos-chave, que se determina a zona de inteligibilidade, onde já estão omissos ou obedientemente disciplinados os conceitos entendidos como antagónicos, tidos como incompatíveis segundo um dado modelo, necessariamente, simplista, redutor, dualista, separativista. Surgem as alegadas “preponderâncias”, as “pertinências” e as “evidências” como consequência do exercício de uma dominação que se permite excluir ou incluir, ser disjuntiva ou conjuntiva, implicar ou contradizer.

Assim se arquitecta e leva a cabo a selecção, a determinação e a conceptualização das operações lógicas que executamos todos os dias sem disso darmos contas. Assim se implementam o conjunto das categorias tidas como fundamentais de (para uma dada) inteligibilidade (CFI) e o sistema operativo que vai permitir, expor e regulamentar a intendência e o uso dessas mesmas categorias.

Deste modo, o paradigma fechado que uma dada cultura pratica tem radicalmente inscrito o que essa comunidade pensa e conhece, e por consequência o modo como age. É como um “chip” que em muito condiciona e regula as modalidades comportamentais dos humanos que lhe estão sujeitos, dificultando em grande medida um agir consentâneo com o Movimento, Vida, Consciência (MVC), e que, no que diz respeito aos últimos séculos, tem impedido que possa ser implementado um modelo aberto e harmonioso. Esse mecanismo de produzir indivíduos-máquinas, irreflectidos, arrebatados, impulsivos e coléricos, imprudentes, precipitados, obcecados, possuídos, falhos de ética fraterna. Os modelos fechados tantas vezes disjuntivos e redutores da parte e do todo, onde a triplicidade Conter/Ver/Unir[2] é recusada, impedem tendencialmente a uni-multiplicidade da MVC, recusando o pensamento sistemático tecido na abrangência.

É na zona subterrânea, acima referida, que nascem os vectores orientadores da vida social planetária. Como zona de profundidade da psique opera soberanamente. É daí que surgem as doutrinas, as teorias que se plasmam em ideologias e que se inscrevem sub-repticiamente na actividade dita consciente que mais não é do que um subproduto controlado, impedido de auto-reflexão. Será que pensamos ou somos em grande medida “pensados”? No paradigma fechado, dualista, separativista, como serão as ligações originárias que constituem os postulados? Quais as suas implicações nas determinações sobre os conceitos, teorias e discursos? Possibilitarão essas relações aberturas ou conduzirão a amplas formatações?

Tem de se operar uma tomada radical de consciência sobre estas questões. O Conhecimento, que obriga a uma praxis fraterna do ser/existir no todo não pode ser mutilador, dado como absolutamente exacto[3] ou acabado. A incerteza do conhecimento, o admitirmos o imprinting e a incerteza na ligação ideia-acto, é condição de possibilidade para uma visão mais abarcante e promissora desse mesmo Conhecimento.

Não se propõe aqui uma separação entre teoria e facto, nem uma desqualificação do especulativo em favor de conhecimentos tidos por bem assentes. Logo, muitos “ismos” têm de ser enquadrados numa desconstrução, numa continuidade desqualificadora que se agite contra as fossilizações ditas “unificadoras” que pretendem ordenar segundo um conhecimento dito “verdadeiro”, para pesado uso de muitos e benefícios de alguns poucos. Pretende-se uma salutar “anti-ciência” que possa englobar a unimultiplicidade, que se manifeste e desconstrua os obstáculos colocados nas vastas estradas do pensamento.

Temos dever e direito de reivindicar em nós uma vontade de superar a ignorância e o não-saber dos saberes instituídos pelos poderes centralizadores que impingem falsos valores oriundos de modelos subjacentes a uma qualquer “ética” putrefacta nascida das formas pastosas das máquinas pedagógicas serviçais que comercializam teorias alucinatórias consoante a vertigem dos preços e desejos baixos dos ditos “mercados”[4], essas estranhas entidades incessantemente impacientes por mais lucros, sempre agitadas e ansiosas, refractárias ao xanax e mormente ao Platão e aos costumes salutares que em absoluto ignoram, fazendo lembrar um dito da sabedoria popular: diz-me de onde provéns, dir-te-ei quem és.

Tomemos em mãos uma supralevação das mentes para uma dignificação da Consciência, arquitecte-se e implemente-se uma Ciência omniabarcante ao serviço da Vida. De postulados fracturantes e de malabarismos incoerentes já estamos servidos, nauseados e à beira do vómito. Aos Modelos Bafiosos diremos BASTA!


Bibliografia

Bohm, David, Thought as a System, Routledge, 7th Reprint, 2005.

Bohm, David, Wholeness and the Implicated Order, Routledge Classics, 1st Reprint, 2005.

Capra, Fritjof, As Conexões Ocultas, Ciência Para Uma Vida Sustentável, Cultrix, 2002.

Fromm, Erich, Beyond the Chains of Ilusion: My Encouter with Marx and Freud, Continuum, 2006.

Fromm, Erich, Ter ou Ser, Presença, 1999.

Morin, Edgar, Os Sete Saberes para a Educação do Futuro, Instituto Piaget, 2002.

Morin, Edgar, Cassé, Michel, Filhos do Céu, Entre Vazio, Luz e Matéria, Piaget, 2007.

Foucault, Michel, É Precisos Defender A Sociedade, Livros do Brasil, 2006.



[1] Por exemplo: “o homem é um ser diferenciado de todos os outros”; “o efeito não está contido na causa"; ou ainda que "o humano somente se pode definir enquanto opositor à natureza", etc, etc.

[2] Onde tudo o que está envolvido é simultaneamente discernido e pensado em conjunto.

[3] É eivado de nós lacunares, sendo por isso possuidor de graus de incerteza. Contudo, será que deveremos ignorar os “intervalos” entre esses nós?

[4] Derivados insubstanciais e purulentos de mentes distorcidas e alienantes.

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