PAN - UM NOVO PARADIGMA

Vivemos o fim de ciclo de um paradigma civilizacional esgotado, o paradigma antropocêntrico, cuja exacerbação nos últimos séculos aumentou a devastação do planeta, a perda da biodiversidade e o sofrimento de homens e animais. Impõe-se um novo paradigma, uma nova visão/vivência da realidade, ideias, valores e símbolos que sejam a matriz de uma nova cultura e de uma metamorfose mental que se expresse em todas as esferas da actividade humana, religiosa, ética, científica, filosófica, artística, pedagógica, social, económica e política. Esse paradigma, intemporal e novíssimo, a descobrir e recriar, passa pela experiência da realidade como uma totalidade orgânica e complexa, onde todos os seres e ecossistemas são interdependentes, não podendo pensar-se o bem de uns em detrimento de outros e da harmonia global. Nesta visão holística da Vida, o ser humano não perde a sua especificidade, mas, em vez de se assumir como o dono do mundo, torna-se responsável pelo equilíbrio ecológico do planeta e pelo direito de todos os seres vivos à vida e ao bem-estar.

Herdando a palavra grega para designar o "Todo", bem como o nome do deus da natureza e dos animais, o PAN - Partido pelos Animais e pela Natureza - incarna esse paradigma na sociedade e na política portuguesas.

O objectivo deste blogue é divulgar e fomentar o debate em torno de contributos diversos, contemporâneos e de todos os tempos, para a formulação deste novo paradigma, nas letras, nas artes e nas ciências.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Peter Singer e o Terceiro Relatório de Avaliação da Comissão Intergovernamental para a Alteração Climática (CIAC)

Peter Singer
A prova científica de que as actividades humanas estão a alterar o clima do nosso planeta está a ser estudada por um grupo de trabalho da Comissão Intergovernamental para a Alteração Climática (CIAC), um organismo científico internacional que se destina a fornecer aos decisores políticos uma perspectiva fundamentada da alteração climática e suas causas. O grupo publicou o seu Terceiro Relatório de Avaliação em 2001, baseado em relatórios prévios e incluindo novas provas acumuladas ao longo dos cinco anos anteriores. O relatório é fruto do trabalho de 122 orientadores e 515 colaboradores e a investigação na qual se baseia foi analisada por 337 especialistas. Como qualquer documento científico, é passível de críticas por parte de outros cientistas, mas reflecte um amplo consenso das principais opiniões científicas e representa, de longe, a mais fundamentada perspectiva actualmente disponível sobre o que está a suceder ao nosso clima.
O Terceiro Relatório de Avaliação conclui que o nosso planeta mostrou sinais claros de aquecimento durante o século passado. A década de 1990 foi a mais quente, sendo 1998 o ano mais quente registado durante os 140 anos em relação os quais existem registos meteorológicos. Quando 2001 estava prestes a chegar ao fim, a Organização Mundial de Meteorologia anunciou que aquele seria o segundo ano mais quente registado. Na verdade, nove dos dez anos mais quentes desse período ocorreram desde 1990 e as temperaturas aumentam agora a uma velocidade três vezes superior à do início do século. Os níveis das águas dos mares aumentaram entre dez e vinte centímetros durante o século passado. Desde os anos 60, a cobertura de neve e gelo decresceu cerca de 10% e os glaciares das montanhas estão a diminuir em todo o lado, com excepção das imediações dos Pólos. Nas últimas três décadas, o efeito do El Niño no hemisfério sul tornou-se mais intenso, provocando uma maior variação na pluviosidade. A par destas mudanças regista-se na atmosfera um aumento sem precedentes das concentrações de dióxido de carbono, metano e óxido nitroso produzidos por actividades humanas, como a queima de combustíveis fósseis, o abate de vegetação e (no caso do metano) a produção de gado e arroz. Há pelo menos 420 000 anos que não havia tanto dióxido de carbono e metano na atmosfera.

Que parte da alteração do clima foi provocada pela actividade humana e que parte pode ser explicada por uma variação natural? O Terceiro Relatório de Avaliação aponta para a existência de «provas novas e mais sólidas de que a maior parte do aquecimento observado ao longo dos últimos cinquenta anos se deve a actividades humanas», e mais especificamente às emissões de gases promotores do feito de estufa. O relatório também considera «muito provável» que a maior parte do aumento dos níveis das águas dos mares ocorrido durante o século passado se deva ao aquecimento global. Quem não tem conhecimentos relativos aos aspectos científicos da avaliação da alteração climática e suas causas dificilmente poderá desprezar as opiniões defendidas pela grande maioria dos que têm esses conhecimentos. Estes podem estar enganados - às vezes, a grande maioria dos cientistas está enganada -, mas, considerando o que está em jogo, acreditar nessa possibilidade seria uma estratégia arriscada.

O que sucederá se continuarmos a emitir quantidades cada vez maiores de gases promotores do efeito de estufa e o aquecimento da Terra continuar a acelerar? O Terceiro Relatório de Avaliação calcula que entre 1990 e 2100 as temperaturas mundiais médias aumentarão pelo menos 1,4ºC, e talvez 5,8ºC. Embora estes valores médios pareçam despiciendos - se amanhã vão estar 20ºC ou 22ºC não interessa muito -, um aumento das temperaturas médias, mesmo que fosse de 1ºC, seria maior do que qualquer mudança ocorrida num único século durante os últimos 10 000 anos. Além disso, algumas alterações regionais serão mais significativas e são muito mais difíceis de prever. As massas de terra do Norte, em especial a América do Norte e a Ásia Central, aquecerão mais do que os oceanos e as regiões costeiras. A precipitação aumentará em termos gerais, mas haverá importantes variações regionais, tornando-se áridas algumas áreas que agora registam uma pluviosidade adequada. Registar-se-ão também maiores variações anuais do que actualmente - o que significa um aumento do número de secas e inundações. Na Ásia, as monções do Verão tornar-se-ão provavelmente menos previsíveis. É possível que as alterações sejam de ordem a atingir pontos críticos nos quais os sistemas climáticos sofram alterações ou se modifiquem as direcções das correntes dos principais oceanos, como a corrente do Golfo.

Quais serão as consequências para os seres humanos?
  • À medida que os oceanos ficam mais quentes, os ciclones e as tempestades tropicais que estão agora confinados aos trópicos afastar-se-ão do equador, atingindo grandes áreas urbanas que não foram construídas para os suportar. Esta é uma perspectiva encarada com grande apreensão pelas companhias seguradoras, que já assistiram ao aumento drástico dos custos com catástrofes ocorrido nas últimas décadas.
  • As doenças tropicais propagar-se-ão.
  • A produção alimentar aumentará nalgumas regiões, especialmente nas latitudes setentrionais elevadas, e decrescerá noutras, incluindo a África subsariana.
  • O nível das águas do mar aumentará entre 9 e 88 centímetros.
Os países ricos poderão, com custos consideráveis, conseguir fazer face a estas alterações sem uma grande perda de vidas. Estes países encontram-se numa posição mais favorável para armazenar comida na eventualidade de uma seca, fazer deslocar as pessoas de áreas inundadas, combater a propagação de insectos portadores de doenças e construir paredões que contenham o avanço das águas dos mares. Os países pobres ão conseguirão fazer isso. O Bangladesh, que é o grande país mais densamente povoado do mundo, possui o maior sistema mundial de deltas e zonas alagadiças, sendo aí que os rios poderosos, como o Ganges e o Bramaputra, encontram o mar. O solo destas zonas é fértil, mas o perigo de viver em terras tão baixas é enorme. Em 1991, um ciclone atingiu a costa do Bangladesh, coincidindo com marés altas que deixaram 10 milhões de pessoas desalojadas e mataram 139 000 outras. A maior parte destas pessoas vivia nas zonas alagadiças dos deltas. E continuam a viver li muitas pessoas, pois não têm outro sítio para onde ir. Mas, se o nível das águas do ma continuar a subir, muitos agricultores ficarão sem terras. São 70 milhões de pessoas que poderão ser afectadas no Bangladesh e outras tantas na China. Há igualmente milhões de agricultores do delta do Nilo que se arriscam a perder as terras. Em menor escala, os países cujo território se situa nas ilhas do Pacífico e consiste em atóis baixos estão expostos a perdas ainda mais significativas. O Kiribati, situado junto à linha internacional de mudança de data, a oeste, foi o primeiro país a entrar no novo milénio. Ironicamente, poderá também ser o primeiro a deixá-lo, desaparecendo sob as ondas. As marés altas estão já a provocar erosão e a poluir nascentes frágeis de água doce, tendo algumas ilhas desabitadas sido submersas.

O aquecimento da Terra levaria ao aumento das mortes estivais provocadas pelo calor, mas estas seriam compensadas por uma menor mortalidade devida aos rigores do Inverno. Contudo, muito mais significativa de que qualquer destas consequências seria a disseminação de doenças tropicais, incluindo doenças transmitidas por insectos que precisam de calor para sobreviver. O Terceiro Relatório de Avaliação analisa várias tentativas de modelização da disseminação de doenças como a malária e o dengue, mas considera que a metodologia de investigação é, neste estádio, inadequada ao fornecimento de estimativas fiáveis do número de pessoas que seriam provavelmente afectadas.

Se as monções asiáticas se tornarem menos regulares, centenas de milhares de agricultores da Índia e de outros países passarão fome nos anos em que a monção trouxer menos chuva do que o normal. Estas pessoas não têm outra forma de obter água d que necessitam para o crescimento das culturas. Em geral, os padrões menos regulares de pluviosidade provocarão sofrimento imenso a uma proporção considerável da população mundial que tem de cultivar a comida que consome.

As consequências para os animais não humanos e a biodiversidade serão igualmente graves. Nalgumas regiões, as comunidades vegetais e animais distanciar-se-ão gradualmente do equador, ou em direcção a altitudes mais elevadas, seguindo padrões climatéricos. Noutras regiões tal opção não será possível. As plantas e os animais alpinos endémicos da Austrália já só sobrevivem nos mais elevados planaltos e picos do país. Se a neve deixar de cair no seu território, extinguir-se-ão. Os ecossistemas costeiros alterar-se-ão drasticamente e as águas mais quentes poderão destruir os recifes de coral. Estas previsões só vão até 2100, mas, mesmo que as emissões dos gases responsáveis pelo efeito de estufa estivessem estabilizadas nessa altura, as alterações do clima persistiriam durante centenas ou talvez milhares de anos. Uma alteração ínfima das temperaturas mundiais médias poderia, no próximo milénio, levar ao degelo da calota de gelo da Gronelândia, que, aliado ao degelo da banquista do Antárctico Ocidental, provocaria um aumento de 6 metro do nível das águas do mar.

Tudo isto obriga a pensar de forma diferente acerca da ética. O nosso sistema de valores desenvolveu-se em circunstâncias nas quais a atmosfera, como os oceanos, parecia um recurso ilimitado e as responsabilidades e os danos eram geralmente claros e bem definidos. Se alguém atingisse outrem, era claro quem tinha feito o quê. Agora, os problemas gémeos do buraco do ozono e da alteração climática revelaram novas formas bizarras de matar pessoas. Ao aplicarmos um desodorizante nas axilas, num apartamento de Nova Iorque, podemos estar a contribuir - se usarmos um pulverizador de aerossol accionado por meio de CFC - para as mortes devidas a cancro de pele, muitos anos volvidos, das pessoas que vivem em Puntas Arenas, no Chile Ao conduzir o nosso automóvel, podemos estar a emitir o dióxido de carbono que faz parte da cadeia causal conducente às inundações mortíferas no Bangladesh. Como podermos ajustar a nossa ética de forma a ter em conta esta nova situação?

Peter Singer, Um Só Mundo A ética da globalização, trad. Maria de Fátima St. Aubyn, revisão científica Desidério Murcho, Gradiva, 2004, pp.42-48

1 comentários:

Paulo Borges disse...

Só a indústria pecuária é responsável por 18% das emissões de gases com efeito de estufa... Consumir carne industrial é ser cúmplice neste Holocausto humano e animal.

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