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S. F. Schedrin
"Gruta Matromanio na Ilha de Capri"
1827
Tela em óleo |
Às vezes, porém, os pinheirais cantavam mais alto, em certas tardes havia sobre a terra uma paz e uma alegria maiores, o grego sentia mais vivo em torno de si o amor da Natureza; era difícil aceitar que as ninfas e os sátiros, tão amigos da liberdade, assim se tivessem concertado para que a um tempo soassem as suas flautas e se exercesse a sua acção benéfica. Decerto um deus, um grande deus, chegara até ali, um deus que resumia toda a intensa vida das florestas e dos montes; e esse deus era Pã, o que viera da Arcádia e excedia todos os Sátiros no tocar da flauta e no amor das Ninfas; Pã era também o deus das tranquilas sestas de Verão, quando, no adormecimento de todas as coisas, só as cigarras gritam estridentemente; e ai do pastor que acordar Pã ou do rebanho que passar junto dele, quando o deus repousa! Bastará que a sua voz ressoe para que tudo se precipite, louco de medo, num terror «pânico». Mas o grego sabe que não deve perturbar o sossego da Natureza, que a deve deixar dormir tranquila sob o sol que aquece - e que tudo cala na terra às horas do meio-dia; e a sesta de Pã não será perturbada.
Pã é para os gregos, sem a majestade de Deméter, todo o encanto, toda a graça, toda a maravilhosa beleza da vida do campo; é meio homem e meio bode, surgem-lhe os chavelhos de entre a cabeleira espessa e, no entanto, a sua figura nada tem de grosseira ou diabólica; no mesmo corpo se uniram o espírito, a inteligência do homem e a fecundidade, a malícia dum animal malicioso e fecundo. Mais ainda: Pã, o todo, sabe os doces sons que se sublimam em Apolo, ama a vegetação como Deméter, é sabedor e prudente como Zeus; por Pã, pela adoração da Natureza, o homem chegará a compreender e a amar todos os outros deuses. E pode bem dizer-se que o triunfo duma nova religião, inimiga da vida, que viera da Judeia, se marcou e afirmou plenamente na noite em que, ao largo da Sicília, um piloto ouviu bradar à voz misteriosa do céu e do mar: «Pã, o grande Pã morreu!» E com ele morriam os deuses.
Agostinho da Silva,
A Religião Grega, in
Agostinho da Silva Estudos sobre Cultura Clássica, Âncora Editora, 2002, pp.129-130
5 comentários:
Grato por recordar este magnífico texto. O Grande Pã/Pan ressurge agora!
Felicitações pela ideia tão feliz de unir esforços pela preservação e atenção aos valores éticos da Natureza vegetal e animal! Todos os pensamentos e acções nesse sentido são para mim muito gratificantes, uma vez que eu sou apologista desse ideal desde sempre!
Gostaria também de expressar algo que me perturba em relação a toda a manifestação que é feita em redor das touradas;de facto o touro deve sofrer e isso é arrepiante mas atendendo que as touradas são uma manifestação telúrica/simbólica da Natureza com um valor cultural perdido no tempo ... enfim ...parece-me muitíssimo mais importante manifestar os horrores que se cometem nos matadouros quiçá a própria existência desses locais! Importante é também por em causa o abuso da industria alimentar sobre os animais.
Eu sou vegetariana e orgulho-me de estar a criar os meus filhos sobre essa Luz. Parece-me mais importante seguir a consciência Universal do que o pensamento em voga.
Só mais uma opinião; PAN como ideia do deus Pã parece atraente mas, a palavra partido sempre me fez lembrar algo que está partido logo à nascença! Ora algo que se quer unido jamais deve estar separado! São ideias....
Espero não estar a exagerar mas até parece que estou a parafrasear o Prof. Agostinho da Silva!
Com votos de muitos passos bem dados, até breve!
Interfiro no tempo de duração natural do diferente para sentir felicidade!
É verdade, cara Dina, que a palavra "partido" tem essa conotação, mas este pretende ser um partido inteiro, pelo bem de tudo e todos. Quanto às touradas, serão uma manifestação da natureza ou da sua manipulação pelo homem? Não bastará o simbolismo da pega de caras do touro interior? Será necessário fazer sofrer um ser senciente como nós?
Parece-me importante responder, pois os debates de ideias são por vezes úteis!
Em relação às touradas( que com o distanciamento do homem pelo mundo rural são incompreendidas e tidas como aberrantes) o que me perturba mais é a importância de repente surgida relacionada com o sofrimento dos touros(que não me é indiferente) e a "nula"mensagem exterior em relação ao abate animal para consumo humano! É este o desequilíbrio que me perturba! O anti-matança animal seria uma demanda importante no caminho do Homem .Isso sim!!
Em relação à palavra partido ... parece-me muito importante a conexão língua=conteúdo=mensagem=subconsciente...As palavras tem importância nas acções e as acções no Todo.
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