PAN - UM NOVO PARADIGMA

Vivemos o fim de ciclo de um paradigma civilizacional esgotado, o paradigma antropocêntrico, cuja exacerbação nos últimos séculos aumentou a devastação do planeta, a perda da biodiversidade e o sofrimento de homens e animais. Impõe-se um novo paradigma, uma nova visão/vivência da realidade, ideias, valores e símbolos que sejam a matriz de uma nova cultura e de uma metamorfose mental que se expresse em todas as esferas da actividade humana, religiosa, ética, científica, filosófica, artística, pedagógica, social, económica e política. Esse paradigma, intemporal e novíssimo, a descobrir e recriar, passa pela experiência da realidade como uma totalidade orgânica e complexa, onde todos os seres e ecossistemas são interdependentes, não podendo pensar-se o bem de uns em detrimento de outros e da harmonia global. Nesta visão holística da Vida, o ser humano não perde a sua especificidade, mas, em vez de se assumir como o dono do mundo, torna-se responsável pelo equilíbrio ecológico do planeta e pelo direito de todos os seres vivos à vida e ao bem-estar.

Herdando a palavra grega para designar o "Todo", bem como o nome do deus da natureza e dos animais, o PAN - Partido pelos Animais e pela Natureza - incarna esse paradigma na sociedade e na política portuguesas.

O objectivo deste blogue é divulgar e fomentar o debate em torno de contributos diversos, contemporâneos e de todos os tempos, para a formulação deste novo paradigma, nas letras, nas artes e nas ciências.

domingo, 29 de dezembro de 2013

A ilusão do eu separado na raiz de todos os aspectos da crise


“A crise que ameaça o nosso planeta, quer seja vista nos seus aspectos militares e ecológicos ou sociais, deriva de uma noção do eu disfuncional e patológica. Deriva de um erro acerca do nosso lugar na ordem das coisas. É a ilusão de o eu ser tão separado e frágil que tenhamos de delinear e defender as suas fronteiras; de ser tão pequeno e tão necessitado que tenhamos de infinitamente adquirir e consumir; e que, enquanto indivíduos, corporações, estados-nações ou espécie, possamos ser imunes ao que fazemos aos outros seres”

- Joanna Macy, “The Greening of the Self”, in AAVV, Spiritual Ecology. The Cry of the Earth, Point Reyes, The Golden Sufi Center, 2013, pp.149-150.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Os princípios de uma nova civilização


“Um reconhecimento de uma aliança está a crescer entre pessoas em diferentes arenas de activismo, seja político, social ou espiritual. O acupunctor holístico e o resgatador de tartarugas do mar podem não ser capazes de explicar o sentimento, “Estamos a servir a mesma coisa”, mas estão a fazê-lo. Ambos estão ao serviço de uma emergente História das Pessoas que é a mitologia definidora de um novo tipo de civilização.

Chamar-lhe-ei a História do Entre-Ser, a Idade da Reunião, a era ecológica, o mundo da dádiva. Ela oferece um conjunto completamente diferente de respostas às questões que definem a vida. Eis aqui alguns dos princípios da nova história:

- Que o meu ser participa no teu ser e no de todos os seres. Isto vai para além da interdependência – a nossa própria existência é relacional.
- Que, portanto, o que fazemos ao outro, fazemo-lo a nós mesmos.
- Que cada um de nós possui um único e necessário dom a oferecer ao mundo.
- Que a finalidade da vida é expressar os nossos dons.
- Que todo o acto é significativo e tem um efeito no cosmos.
- Que estamos fundamentalmente inseparados uns dos outros, de todos os seres e do universo.
- Que cada pessoa que encontramos e cada experiência que temos espelha algo em nós mesmos.
- Que a humanidade está destinada a unir-se alegremente à tribo de toda a vida na Terra, oferecendo os nossos dons unicamente humanos para o bem-estar e o desenvolvimento do todo.
- Que finalidade, consciência e inteligência são propriedades inatas da matéria e do universo”

- Charles Einsenstein, The More Beautiful World Our Hearts Know is Possible, Berkeley, North Atlantic Books, 2013, pp.15-16.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

"Estamos a reconhecer a nossa própria inseparabilidade, uns dos outros e da totalidade da vida"


“A um nível pessoal, a mais profunda revolução possível que podemos decretar é uma revolução no nosso sentimento de eu, na nossa identidade. O eu autónomo e separado de Descartes e Adam Smith chegou ao fim e está a tornar-se obsoleto. Estamos a reconhecer a nossa própria inseparabilidade, uns dos outros e da totalidade da vida. A usura desmente esta união, pois busca o crescimento do eu separado às custas de algo externo, algo de outro. Provavelmente todos os que lêem este livro concordam com os princípios da interconexão, seja de uma perspectiva espiritual ou ecológica. Chegou o tempo de a vivermos. É a hora de entrar no espírito do dom, que incarna a compreensão sentida da não-separação. Está a tornar-se abundantemente óbvio que menos para ti (em todas as suas dimensões) é também menos para mim. A ideologia do ganho perpétuo levou-nos a um estado de pobreza tão indigente que estamos ofegantes por ar. Essa ideologia, e a civilização construída sobre ela, é o que hoje está a entrar em colapso”

- Charles Eisenstein, Sacred Economics. Money, Gift & Society in the Age of Transition, Berkeley, Evolver Editions, 2011, p.139.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

As razões pelas quais com o actual sistema económico jamais haverá paz para os humanos, os animais e a natureza


“Por causa do lucro, em qualquer dado momento, a quantidade de dinheiro devido é maior do que a quantidade de dinheiro já existente. Para fazer novo dinheiro a fim de manter o inteiro sistema a funcionar, […] temos de criar mais “bens e serviços”. O principal modo de o fazer é começar a vender algo que outrora era gratuito. É começar a converter florestas em madeira, música em produto, ideias em propriedade intelectual, reciprocidade social em serviços pagos.

Estimulada pela tecnologia, a mercantilização de bens e serviços inicialmente não-monetários acelerou ao longo dos últimos séculos, ao ponto de hoje muito pouco ser deixado fora da esfera monetária. As vastas provisões, de terra ou de cultura, foram isoladas e vendidas – tudo para acompanhar o ritmo do crescimento exponencial do dinheiro.

[...]

O imperativo do crescimento perpétuo implícito no dinheiro baseado no lucro é o que impele a implacável conversão da vida, do mundo e do espírito em dinheiro. Completando o círculo vicioso, quanto mais convertemos vida em dinheiro, mais dinheiro necessitamos para viver. A usura, e não o dinheiro, é a raiz proverbial de todo o mal.

[...]

Devido à dívida nutrida pelo lucro acompanhar toda a nova emissão de dinheiro, em qualquer momento dado a quantidade da dívida excede a quantidade de dinheiro existente. A insuficiência do dinheiro impele-nos à competição uns com os outros e remete-nos para um construído e constante estado de escassez. É como o jogo das cadeiras, em que nunca há espaço suficiente para que todos estejam seguros. A pressão da dívida é endémica ao sistema. Enquanto alguns podem pagar as suas dívidas, o sistema global requer um geral e crescente estado de endividamento.

A constante e subjacente pressão da dívida significa que haverá sempre pessoas inseguras ou desesperadas – pessoas sob pressão para sobreviver, prontas a abater a última floresta, apanhar o último peixe, vender a alguém sapatilhas, liquidar seja qual for o capital social, natural, cultural ou espiritual ainda disponível. Nunca poderá haver um tempo em que atinjamos o “suficiente” porque, num sistema de dívida baseado no lucro, o crédito não apenas troca “bens presentes por bens no futuro”, mas bens presentes por mais bens no futuro. Para servir a dívida ou apenas para viver, ou tiramos a riqueza existente de uma outra pessoa (daí, a competição) ou criamos “nova” riqueza extraindo-a das provisões comuns”

- Charles Einsenstein, Sacred Economics, Berkeley, Evolver Editions, 2011, pp.100-103.

sábado, 21 de dezembro de 2013

"Portugal ou se reformará política, intelectual e moralmente ou deixará de existir"


"Portugal ou se reformará política, intelectual e moralmente ou deixará de existir. Mas a reforma, para ser fecunda, deve partir de dentro e do mais fundo do nosso ser colectivo: deve ser, antes de tudo, uma reforma dos sentimentos e dos costumes"

- Antero de Quental, "Expiação", 1890.

"Temos vivido numa Idade de Separação"


“Temos vivido numa Idade de Separação. Um a um, dissolveram-se os nossos laços com a comunidade, a natureza e o lugar, abandonando-nos num mundo estranho. A perda destes laços é mais do que uma redução da nossa riqueza, é uma redução do nosso próprio ser. O empobrecimento que sentimos, isolados da comunidade e da natureza, é um empobrecimento das nossas almas. Isto porque, contrariamente ao que assume a economia, a biologia, a filosofia política, a psicologia e a religião institucional, nós não somos na essência seres separados que têm relações. Nós somos relação”

- Charles Eisenstein, Sacred Economics. Money, Gift & Society in the Age of Transition, Berkeley, Evolver Editions, 2011, p.49.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

"Em resumo: vazio interior – consumismo – fosso ecológico – fosso social”


“Os três fossos [espiritual-cultural, ecológico e sócio-económico] que compõem a superfície de sintomas [da crise] estão extremamente entrelaçados. Por exemplo, a perda de sentido na vida e no trabalho (o vazio interior) é frequentemente preenchido com mais consumo material (consumismo), o qual aprofunda o fosso ecológico por um maior esgotamento de recursos. A intensificação do fluxo da corrente de recursos naturais dos países em vias de desenvolvimento para os países desenvolvidos, e o fluxo das correntes de desperdício em sentido oposto, conduz por sua vez a um aprofundamento do fosso social. Em resumo: vazio interior – consumismo – fosso ecológico – fosso social”

- Otto Scharmer / Katrin Kaufer, Leading from the Emerging Future. From ego-system to eco-system economies, São Francisco, Berret-Koehler Publishers, 2013, p.40.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

O mito da separação entre nós e os outros é mortal


“Enquanto o fosso ecológico se baseia numa separação entre o eu e a natureza e o fosso social numa separação entre o eu e o outro, o fosso espiritual-cultural reflecte uma separação entre o eu e o Si – isto é, entre o nosso actual “eu” e o futuro “Si” emergente que representa o nosso maior potencial. Este fosso é manifesto em valores rapidamente crescentes de esgotamento e depressão, que representam o crescente abismo entre as nossas acções e quem nós realmente somos. De acordo com a World Health Organization (WHO), em 2000 morreram por suicídio mais do que o dobro das pessoas que morreram em guerras”

- Otto Scharmer / Katrin Kaufer, Leading from the Emerging Future. From ego-system to eco-system economies, São Francisco, Berret-Koehler Publishers, 2013, p.5.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

"Precisamos de uma espécie de despertar colectivo"


“Precisamos de uma espécie de despertar colectivo. Há entre nós homens e mulheres que estão despertos, mas não é suficiente; a maioria das pessoas ainda estão a dormir. Construímos um sistema que não podemos controlar. Ele impõe-se a nós e tornamo-nos os seus escravos e vítimas. Para a maioria de nós que querem ter uma casa, um carro, um frigorífico, uma televisão e assim por diante, temos de sacrificar o nosso tempo e as nossas vidas em troca. […] Criámos uma sociedade na qual os ricos se tornam mais ricos e os pobres mais pobres e na qual estamos tão apanhados nos nossos problemas imediatos que não nos podemos conceder estar conscientes do que é que se passa com o resto da família humana ou com o nosso planeta Terra. No meu espírito vejo um bando de galinhas numa gaiola lutando por umas poucas sementes de cereal, inconscientes de que dentro de poucas horas serão todas mortas”

- Thich Nhat Hanh, The Bells of Mindfulness, in Spiritual Ecology. The Cry of the Earth, 2013, p.26.

Tempo de Antena PAN 2013

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Ética e ecologia


“[…] tanto a ética como a ecologia pressupõem um habitar, no primeiro caso, humano, no segundo inerente a todos os seres vivos, que se dá num solo comum - a natureza e o mundo – e que se constitui mediante a relação mútua entre aqueles que habitam, mediada pela instância onde habitam. A questão está em saber se a semelhança deverá ou não ser levada até à identidade, ou seja, se a ética se deverá reduzir à ecologia e o homem ao estatuto de um qualquer outro ser natural, como pretende a “ecologia profunda”, ou se este, de algum modo, transcende a economia do todo, reclamando, para si, um estatuto à parte.

Mais uma vez, é a categoria de responsabilidade que permite resolver este dilema acerca do tópos humano, dado que apenas enquanto responsável pode o homem habitar na natureza e cohabitar com os outros seres vivos, ao mesmo tempo que a transcende, de modo a decidir sobre a melhor forma de preservar harmoniosamente essa cohabitação”

- Cristina Beckert, Ética, Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2012, pp.153-154.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Uma economia que destrói tudo


"(…) É uma economia do trabalho, da produção, (…) que toma conta da terra, das plantas, dos animais, dos homens, de tudo"

- Agostinho da Silva, Vida Conversável.

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

"Todas as espécies, povos e culturas têm um valor intrínseco"


Princípios da Democracia da Terra

1. Todas as espécies, povos e culturas têm um valor intrínseco: todos os seres são sujeitos dotados de integridade, inteligência e identidade e não objectos susceptíveis de converter-se em propriedade de outros, de ser manipulados, de ser explorados ou de ser eliminados. Nenhum ser humano tem direito a ser dono de outras espécies, de outras pessoas ou dos conhecimentos de outras culturas por meio de patentes e outros direitos de propriedade intelectual.

2. A comunidade da Terra é uma democracia de toda a vida no seu conjunto: todos somos membros da família da Terra e estamos interconectados através da frágil rede da vida do planeta. Todos temos o dever de viver de um modo que proteja tanto os processos ecológicos da Terra como os direitos e o bem-estar de todas as espécies e de todas as pessoas. Nenhum ser humano tem direito a imiscuir-se no espaço ecológico de outras espécies e de outras pessoas nem a tratá-las com crueldade e violência.

- Vandana Shiva, Earth Democracy. Justice, Sustainability, and Peace, 2005.

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

"Todas as espécies, povos e culturas têm um valor intrínseco"

Princípios da Democracia da Terra

1. Todas as espécies, povos e culturas têm um valor intrínseco: todos os seres são sujeitos dotados de integridade, inteligência e identidade e não objectos susceptíveis de converter-se em propriedade de outros, de ser manipulados, de ser explorados ou de ser eliminados. Nenhum ser humano tem direito a ser dono de outras espécies, de outras pessoas ou dos conhecimentos de outras culturas por meio de patentes e outros direitos de propriedade intelectual.

- Vandana Shiva, Earth Democracy. Justice, Sustainability, and Peace, 2005.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

"A simpatia estendida para fora dos limites da humanidade, ou seja, a compaixão para com os animais, parece ser uma das últimas aquisições morais"


Uma passagem luminosa de Darwin que é todo um programa de educação e acção individual e colectiva e que mostra a falácia do darwinismo social:

“À medida que o homem avança na civilização e que as pequenas tribos se reúnem em comunidades mais numerosas, a simples razão indica a cada indivíduo que deve estender os seus instintos sociais e a sua simpatia a todos os membros da mesma nação, se bem que não sejam pessoalmente seus conhecidos.
Atingido este ponto, apenas uma barreira artificial pode impedir as suas simpatias de se estenderem a todos os homens de todas as nações e de todas as raças. A experiência prova-nos, infelizmente, quanto é necessário tempo antes que consideremos como nossos semelhantes os homens que diferem consideravelmente de nós pelo seu aspecto exterior e pelos seus costumes.
A simpatia estendida para fora dos limites da humanidade, ou seja, a compaixão para com os animais, parece ser uma das últimas aquisições morais. […] Esta qualidade, uma das mais nobres de que o homem é dotado, parece provir casualmente do facto de que as nossas simpatias, tornando-se mais delicadas à medida que mais se estendem, acabam por se aplicar a todos os seres vivos. Esta virtude, uma vez honrada e cultivada por alguns homens, expande-se nos jovens pela instrução e pelo exemplo, e acaba por se fazer parte da opinião pública”

- Charles Darwin, A descendência do homem e a selecção sexual.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Ecologia e desenvolvimento da consciência interior


"(…) a única agenda realmente importante para os verdadeiros ecologistas em qualquer parte é a criação, a evolução e o desenvolvimento da própria consciência interior. Os principais problemas de Gaia não são a industrialização, a diminuição do azono, a sobre-população e o esgotamento dos recursos. O principal problema de Gaia é a falta de entendimento mútuo e comum acordo na noosfera sobre como proceder em relação a essas dificuldades. A maioria dos eco-filósofos focam milhares de outras coisas que precisam ser feitas e ignoram totalmente o maior e principal problema: como levar as pessoas a ver os problemas e a chegar a acordo sobre a forma de os resolver. E a única maneira de fazer isso é através da evolução da consciência de modos egocêntricos de pensamento para modos sociocêntricos e globocêntricos."

- Ken Wilber, A Brief History of Everything.

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Política da consciência e mudança de paradigma - 1 de Novembro, 18.30

"Política da Consciência e Mudança de Paradigma"

Uma proposta para uma mudança radical da política convencional.

Palestras e debate com Paulo Borges e Daniela Velho (presidente e vice-presidente da Direcção Nacional do PAN)

O primeiro de um novo ciclo de PANdebates com novos temas a anunciar em breve.

Na sede nacional do PAN, Rua Anchieta, nº5, 4º esq., em Lisboa (ao Chiado)

Entrada livre e limitada a 40 pessoas

Os PANdebates terão uma periodicidade mensal. Reserve o seu lugar, através do geral@pan.com.pt ou 213426226.

sábado, 26 de outubro de 2013

O vegetarianismo e o verdadeiro heroísmo, o do amor

"Dobrámos o cabo das Tormentas, escravizámos o índio, e ameaçando a terra, o mar e o mundo, tudo calcámos victoriosos e em nossos triunfos nos glorificámos. Se porém me fosse dado escolher entre a sorte do vencedor e a do vencido, diria, com pena de incorrêr em acusação de traição ao amor da pátria, que a todas as nossas glórias, que são muitas, sem embargo, e brilhantes, eu preferiria que como na Índia do seculo XVIII, trez milhões de portuguezes tivessem a coragem, que o índio teve, de preferirem morrer de fome a matar os animais seus companheiros e seus servos e amigos.

Não sei de maior grandeza na história. Não sei de exemplo de mais sublimada moralidade duma raça, de mais grandiosa, perfeita e absoluta imolação ao amor, a este amor que é a essência da vida, a razão de ser da nossa existência, o padrão único por que se póde aferir a grandeza humana, «o comêço de todo o pensamento digno d'este nome» na feliz expressão de Carlyle.

Heroísmo por heroísmo, o d'esses vencidos que maltratámos, foi infinitamente superior às façanhas militares de que tanto nos orgulhamos"

- Jaime de Magalhães Lima, O Vegetarismo e a moralidade das raças, Porto, Sociedade Vegetariana, 1912.

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

A política do futuro já presente, bem como a economia, as finanças e tudo o mais, têm de ser inspiradas pela sabedoria do amor e da compaixão.

Há que nos expormos ao ridículo, para algumas vistas estreitas e por enquanto, de introduzir o amor e a compaixão no discurso e na prática políticos, de trazer valores que esta civilização excluiu da vida pública por serem "femininos" para actividades tradicionalmente consideradas "masculinas". Se os políticos do passado ainda presente só falam de economia e finanças, além de se comportarem como predadores uns dos outros, os políticos do futuro já presente falam e falarão de economia, finanças e tudo o mais, mas sem ataques pessoais e sobretudo com o amor e a compaixão no coração e no pensamento. Amor e compaixão que levem a colocar-nos no lugar do Outro antes de tomar decisões e aprovar leis que o vão afectar, incluindo no Outro todos os outros: trabalhadores, reformados, desempregados, idosos, crianças, jovens, animais domésticos e selvagens, árvores, terras, mares, ares, rios, ecossistemas. Há que integrar o "masculino" e o "feminino" em todas as áreas da nossa vida. A política do futuro já presente, bem como a economia, as finanças e tudo o mais, têm de ser inspiradas pela sabedoria do amor e da compaixão. Sem isso não há outro futuro para as nossas sociedades e o planeta que não seja o agravamento até ao colapso da barbárie já existente. 

“[...] a questão é: ou salvar a Terra ou fazer bons negócios. Trata-se de uma disjunção exclusiva: ambas as propostas não são simultaneamente viáveis"



“[...] a questão é: ou salvar a Terra ou fazer bons negócios. Trata-se de uma disjunção exclusiva: ambas as propostas não são simultaneamente viáveis.

O desajuste último, o que condena de forma inapelável este sistema económico – o capitalismo que precisa de uma expansão constante, ainda que se encontre dentro de uma biosfera finita - , é uma ideia errada: tratar de viver dentro de um planeta esférico e limitado como se se tratasse de uma Terra plana e ilimitada.
Como se os recursos naturais fossem infinitos, como se a entropia não existisse, como se nós, seres humanos, fôssemos omnipotentes e imortais.
[…]
Basta fazer contas durante dez minutos para sabermos que esta civilização está condenada. […]
E o capitalismo persegue um valor de produção comensurável com o reembolso da dívida… Puro wishful thinking: porém a semelhantes disparates se subordinam as políticas e as vidas humanas (tal como as não humanas, claro está) sob o domínio do capital.
Endividar-se para crescer e crescer para pagar as dívidas: assim se ligam capitalismo financeiro e devastação ecológica.
Não há no planeta Terra recursos naturais suficientes para pagar a dívida emitida, acumulada, aceitada. Essa montanha de dinheiro virtual há-de ser denunciada (a banca privada é uma das instituições que não podemos permitir-nos numa sociedade sustentável).
Um sistema sócio-económico que só sabe abordar a realidade – as realidades – em termos de rentabilidade e benefício está condenado. Isto é óbvio […].
Continuar a pensar hoje em termos de business as usual – mais crescimento do consumo para que estique a produção; mais aumento da produção para incrementar o consumo; mais endividamento para crescer mais; mais crescimento para pagar a dívida – é equivalente a sermos crianças de 35 anos que esperneiam no chão: não é verdade, não pode ser, o Pai Natal existe, não são os pais!
Porém já vamos sendo cresciditos, não é verdade!? Já se nos pode dizer que o Pai Natal são os pais? E que o “desenvolvimento sustentável” baseado num suposto desajuste (decoupling) entre crescimento económico e impacto ambiental é engano dos poderosos ou autoengano?”

- Jorge Riechmann, Interdependientes y Ecodependientes, 2012, pp. 425-427.

sábado, 24 de agosto de 2013

Há que repensar radicalmente a sociedade

Há que repensar radicalmente a sociedade. A palavra vem do latino socius, -ii, que significa companheiro, associado, aliado, e tem sido redutoramente interpretada como apenas relativa aos seres humanos, no ciclo antropocêntrico da cultura e da civilização, hoje manifestamente em crise. Com efeito, a vida humana é inseparável da vida dos outros animais e ambas dos ecossistemas. Todos os seres, humanos e não humanos, são naturalmente companheiros. Depende dos humanos reconhecê-lo e tratar os demais seres não como adversários, presas ou meros instrumentos e recursos, mas sim como associados e aliados, dotados de interesses próprios e valor intrínseco. Até porque, mesmo numa perspectiva antropocêntrica esclarecida, as agressões da humanidade aos demais seres e ao planeta são agressões a si mesma, como o mostra a crise ecológica. Isto implica repensar radicalmente a política, que tem hoje cada vez mais de sair do círculo estreito do antropocentrismo para cuidar o bem comum de todos os seres vivos e da natureza como um todo. Sem isso, é difícil manter qualquer esperança no futuro.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

"[...] definição breve de desenvolvimento sustentável: vida boa dentro dos limites dos ecossistemas”


“O grande economista Kenneth Boulding já há muitos anos sugeriu que o PIB (Produto Interno Bruto) deveria considerar-se antes uma medida do custo interior bruto e que uma sociedade racional num planeta finito deveria orientar os seus esforços para minimizar este indicador, não para maximizá-lo. Minimizar o PIB – que mede as trocas mercantis – quer dizer: desmercantilizar.

A ruptura cultural decisiva, a que hoje necessitamos, tem de apontar contra a mercantilização generalizada, o produtivismo e o desenvolvimentismo. Tratar-se-ia de quebrar a identificação entre progresso e crescimento económico (produção de bens e serviços mercantis) […]. Necessitamos menos horas de trabalho, menos coisas, menos competição destrutiva, menos stress, menos desigualdade; e também mais cooperação, mais segurança existencial, mais democracia, mais tempo para a família e os amigos, mais tempo livre, mais festa… Precisamos que a qualidade (da vida, dos vínculos sociais, dos ecossistemas) prevaleça sobre a quantidade: uma concepção do progresso “pós-desenvolvimentista”, que teria de coincidir com a seguinte definição breve de desenvolvimento sustentável: vida boa dentro dos limites dos ecossistemas”

- Jorge Riechmann, Interdependientes y Ecodependientes, 2012, p.365.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Por um novo paradigma mental, ético e civilizacional



Vivemos uma profunda crise do paradigma que dominou a humanidade europeia-ocidental e se mundializou: nele o homem vê-se como centro e dono do mundo, reduzindo natureza e seres vivos a objectos desprovidos de valor intrínseco, meros meios destinados a servir fins e interesses humanos [1]. Se a tecnociência contemporânea confiou no progresso geral da humanidade mediante a exploração ilimitada dos recursos naturais e dos seres vivos, frustra-se hoje essa expectativa de um Paraíso terreno científico-tecnológico-económico: o sonho dos projectos neoliberais e socialistas converteu-se no pesadelo da guerra, fome e pobreza, da crise económico-financeira, da destruição da biodiversidade, do sofrimento humano e animal e da iminência de colapso ecológico. Os relatórios científicos mostram o tremendo impacte que o actual modelo de crescimento económico tem sobre a biosfera planetária, acelerando a sexta extinção em massa do Holoceno, com uma redução drástica da biodiversidade, sobretudo nos últimos 50 anos, a um ritmo que chega a 140 000 espécies de plantas e animais por ano, devido a causas humanas: destruição de florestas e outros habitats, caça e pesca, introdução de espécies não-nativas, poluição e mudanças de clima [2].

Manifestação particularmente violenta do antropocentrismo é o especismo, preconceito pelo qual o homem discrimina os membros de outras espécies animais por serem diferentes, mediante um critério baseado no tipo de inteligência que possuem que ignora a sua comum capacidade de sentirem dor e prazer físicos e psicológicos (a senciência, ou seja, a sensibilidade e o sentimento conscientes de si, distinto da sensitividade das plantas) ou o serem sujeitos-de-uma-vida, consoante as perspectivas de Peter Singer e Tom Regan [3]. A exploração ilimitada de recursos naturais finitos e dos animais não-humanos para fins alimentares, (pseudo-)científicos, de trabalho, vestuário e divertimento, tem causado um grande desequilíbrio ecológico e um enorme sofrimento. O especismo é afim a todas as formas de discriminação e opressão do homem pelo homem, como o sexismo, o racismo e o esclavagismo, embora sem lograr ainda o reconhecimento e combate de que estas têm sido alvo.

A desconsideração ética do mundo natural e da vida animal não só obsta à evolução moral da humanidade como também a lesa, lesando o planeta, como é particularmente evidente nos efeitos do consumo de carne industrial e de lacticínios. Além do sofrimento dos animais, criados em autênticos campos de concentração [4], além da nocividade da sua carne, saturada de antibióticos e hormonas de crescimento [5], a pecuária intensiva é um mau negócio com um imenso impacte ecológico: entre outros índices, destaque-se que toda a proteína vegetal hoje produzida no mundo para alimentar animais para consumo humano poderia nutrir directamente 2 000 milhões de pessoas, quase um terço da população mundial, enquanto 1 000 milhões padecem fome [6]. Isto leva a ONU a considerar urgente uma dieta sem carne nem lacticínios para alimentar de forma sustentável uma população que deve atingir os 9.1 biliões em 2050 [7].

Compreende-se assim a urgência de um novo paradigma mental, ético e civilizacional que veja que as agressões aos animais e à natureza são agressões da humanidade a si mesma, que não separe as causas humanitária, animal e ecológica e que reconheça valor intrínseco e não apenas instrumental aos seres sencientes e ao mundo natural, consagrando juridicamente o direito dos primeiros à vida e ao bem-estar e o do segundo à preservação e integridade (no que respeita aos animais, note-se que Portugal possui um dos Códigos Civis mais atrasados, considerando-os meras coisas móveis (!), o que urge alterar) [8]. Sem este novo paradigma, de uma nova humanidade, não antropocêntrica, em que o homem seja responsável pelo bem de tudo e de todos [9], não parece viável haver futuro.







[1] Kant considera o homem o “senhor da natureza”, que tem nele o seu “fim último” – Critique de la faculté de juger, 83, Paris, Vrin, 1982. O mesmo autor considera que os animais “não têm consciência de si mesmos e não são, por conseguinte, senão meios em vista de um fim. Esse fim é o homem”, que não tem “nenhum dever imediato para com eles” – Leçons d’éthique, Paris, LGF, 1997, p.391.
[2] A equipa internacional liderada pelo biólogo Miguel Araújo, da Universidade de Évora, publicou recentemente um importante artigo na revista Nature sobre as consequências na “árvore da vida” das mutações climáticas antropogénicas: http://www.nature.com/nature/journal/v470/n7335/full/nature09705.html
[3] Cf. Peter Singer, Libertação Animal [1975], Porto, Via Óptima, 2008; Tom Regan, The Case for Animal Rights [1983], Berkeley, University of California Press, 2004, 3ª edição. Peter Singer segue a perspectiva utilitarista herdada de Jeremy Bentham e baseia-se na igualdade de interesses dos animais humanos e não-humanos em experimentarem o prazer e evitarem a dor, enquanto Tom Regan estende a muitos dos animais não-humanos a perspectiva deontológica de Kant, considerando-os indivíduos com identidade, iniciativas e objectivos e assim com direitos intrínsecos à vida, à liberdade e integridade. Cf. Os animais têm direitos? Perspectivas e argumentos, introd., org. e trad. de Pedro Galvão, Lisboa, Dinalivro, 2011.
[4] Cf. Peter Singer, Libertação Animal; Jonathan S. Foer, Comer Animais [2009], Lisboa, Bertrand, 2010.
[5] Segundo a Organização Mundial de Saúde, mais de 75% das doenças mais mortais nos países industrializados advêm do consumo de carne.
[6] A produção de 1 kg de carne de vaca liberta mais gases com efeito de estufa do que conduzir um carro e deixar todas as luzes de casa ligadas durante 3 dias, consome 13-15 kg de cereais/leguminosas e 15 000 litros de água potável, cuja escassez já causa 1.6 milhões de mortes por ano e novos ciclos bélicos (http://www.ambienteonline.pt/noticias/detalhes.php?id=7788); a pecuária intensiva é responsável por 18% da emissão de gases com efeito de estufa a nível mundial, como o metano, emitido pelo gado bovino, que contribui para o aquecimento global 23 vezes mais do que o dióxido de carbono; 70% do solo agrícola mundial destina-se a alimentar gado e 70% da desflorestação da selva amazónica deve-se à criação de pastagens e cultivo de soja para o alimentar - cf. um relatório de 2006 da FAO, Food and Agriculture Organization, da ONU, Livestock’s Long Shadow: environmental issues and options: http://www.fao.org/docrep/010/a0701e/a0701e00.HTM
[7] http://www.guardian.co.uk/environment/2010/jun/02/un-report-meat-free-diet
[8] Para uma introdução às diferentes perspectivas e questões filosóficas, éticas e jurídicas relacionadas com a natureza e os animais, cf. Fernando Araújo, A Hora dos Direitos dos Animais, Coimbra, Almedina, 2003; Maria José Varandas, Ambiente. Uma Questão de Ética, Lisboa, Esfera do Caos, 2009; Stéphane Ferret, Deepwater Horizon. Éthique de la Nature et Philosophie de la Crise Écologique, Paris, Seuil, 2011.
[9] Cf. Hans Jonas, Das Prinzip Verantwortung, Frankfurt am Mein, Insel Verlag, 1979; Paulo Borges, "A questão dos direitos dos animais. Para uma genealogia e fundamentação filosóficas", in Hélder Martins Leitão, A Pessoa, a Coisa, o Facto no Código Civil, Porto, Almeida & Leitão, Lda, 2010, pp.229-251; “Quem é o meu próximo? Senciência, empatia e ilimitação”, Philosophica, nº40 (Lisboa, 2012), pp.25-40; Quem é o meu próximo? Ensaios e textos de intervenção por uma nova civilização, Lisboa, Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa (no prelo).

domingo, 11 de agosto de 2013

Ideias para uma nova política internacional portuguesa


Uns advogam que Portugal deve sair da Zona Euro e afastar-se da Europa, outros que nela deve continuar numa Europa federalista, outros que se deve aproximar dos países lusófonos e outros ainda outras coisas.

Portugal deve continuar onde sempre esteve: no planeta Terra. E se há relações que devem ser privilegiadas é com todos os povos, nações e culturas. Relações transversais aos Estados, tantas vezes meras abstracções criadas, a ferro e fogo, para dividir e enfraquecer as comunidades reais. Relações que privilegiem, por sua vez, tudo o que de melhor se está a fazer no planeta por um novo paradigma de civilização, que salve a Terra e os seres vivos, humanos e animais, da destruição que está a ser promovida pela globalização do modelo mental e económico europeu-ocidental e neoliberal.

No plano das relações internacionais do Estado português só se justifica a saída da Zona Euro quando as desvantagens e os sacrifícios de permanecermos superarem os de sairmos, o que por enquanto não se verifica. Pode, todavia, tornar-se uma realidade a curto/médio prazo e devemos estar preparados para essa eventualidade. O federalismo europeu pode ser uma boa solução, se assegurar a equidade político-económica entre as nações europeias e libertar a Europa do peso da Alemanha. E isso não impede que Portugal se aproxime, também economicamente, de outras nações mais próximas pela história, pela língua e pela cultura: não só as nações lusófonas, mas também as ibéricas (Espanha virá inevitavelmente a desmembrar-se) e as mediterrânicas, incluindo as do Norte de África. Portugal deve mesmo, com as nações do Sul da Europa, Espanha, Itália e Grécia, criar um bloco de resistência à hegemonia alemã e norte-centro europeia.

Todavia, nestas aproximações e relações internacionais, impõe-se um critério superior ao da história, da língua e da cultura: o da ética, da justiça e do bem. Portugal deve privilegiar relações com nações que respeitem os direitos humanos, dos animais e do ambiente. Neste sentido, a par de promover relações mais estreitas com as nações da sua área histórico-cultural que sejam mais fiéis a esses valores, Portugal deve inspirar-se e privilegiar contactos com nações que investem num novo paradigma civilizacional, como a Bolívia, que aprovou uma lei que consagra “o desenvolvimento integral em harmonia com a Mãe Terra e o Bem Viver”, e o Butão, que integrou nos princípios da sua governação a Felicidade Interna Bruta, da população, considerando-a mais importante do que o Produto Interno Bruto.

O mundo está em acelerada Mudança e importa que Portugal não continue a perder o comboio, permanecendo refém de todo o tipo de visões estreitas. Sobretudo se quiser cumprir a sua maior vocação, segundo a visão de Luís de Camões, Padre António Vieira, Fernando Pessoa e Agostinho da Silva: contribuir para o surgimento de um Mundo Novo, com uma consciência nova, global e integral, como se simboliza na esfera armilar.

sábado, 10 de agosto de 2013

"Olhe no fundo dos olhos de um animal..."

"Olhe no fundo dos olhos de um animal e, por um momento, troque de lugar com ele. A vida dele tornar-se-á tão preciosa quanto a sua e você tornar-se-á tão vulnerável quanto ele. Agora sorria, se acredita que todos os animais merecem nosso respeito e nossa protecção, pois em determinado ponto eles são nós e nós somos eles"

- Philip Ochoa

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Mudança de paradigma. Consciência holística. Interdependência. Ecologia.

"A própria consciência não está separada da realidade física. Somos interdependentes de um modo que estamos apenas a começar a entender. E, no entanto, ainda vivemos numa civilização dominada por uma imagem newtoniana ultrapassada de separação. 

Infelizmente muita da presente "consciência ambiental" permanece dentro deste paradigma, vendo o desequilíbrio ecológico como um problema que podemos resolver científica ou economicamente. Apenas agora começamos a reconhecer o quanto a mudança de consciência é indispensável para a resolução desta crise global sem precedentes. Se quisermos realmente responder às necessidades de um todo interdependente, precisamos de uma abertura de consciência que abranja o todo.

Uma vez que entremos na realidade de uma consciência holística que esteja verdadeiramente em inter-relação com o todo, encontrar-nos-emos num mundo muito diferente em que tudo interage connosco numa dinâmica contínua. Até mesmo a nossa consciência afecta o mundo físico. A questão é então: qual o nosso papel nesta realidade verdadeiramente interdependente? 

Mesmo a nossa visão actual de "ecologia profunda" mostra-nos o mundo através de uma consciência de separação - o quadro analítico e racional que nos é imposto pela nossa educação e condicionamentos. Nós raramente experienciamos a nossa consciência incorporada na unidade do mundo que nos rodeia, como, por exemplo, acontece com povos indígenas, para quem até mesmo a ideia de um indivíduo ser separado do seu ambiente não existe". 

Llewellyn Vaughan-Lee, Sustainability, Deep Ecology, & the Sacred





sábado, 3 de agosto de 2013

"Morte morrida, sim, morte matada, não!"


Um depoimento da escritora e poeta Fernanda de Castro sobre o seu filho, o escritor e ensaísta António Quadros:

"Um dia, quando tinha quatro ou cinco anos, entrou na cozinha. Apesar das minhas recomendações, a Maria do Porto estava completamente proibida de matar fosse o que fosse em casa. Mas teimosa como era, um dia comprou uma galinha viva e matou-a em cima da mesa da cozinha no momento exacto em que o António entrou. Quando viu a galinha a espernear e a mesa coberta de sangue, teve um choque tão grande que, aos gritos e desfeito em lágrimas, se agarrou às saias da Maria, dando-lhe murros nas pernas com as suas mãozinhas crispadas. Eu peguei nele ao colo, levei-o para o quarto e comecei a dizer coisas à toa, coisas sem sentido que não serviam para nada, pois, de facto, não sabia verdadeiramente como fazê-lo compreender e aceitar aquela atrocidade. A certa altura, como supremo argumento, disse-lhe que a galinha estava muito velha, muito doente e que mesmo as pessoas quando estão muito velhas e muito doentes têm de morrer. Ele então olhou-me com os seus grandes olhos azuis marejados de lágrimas: - Morte morrida, sim, morte matada, não!"

- Fernanda de Castro, Ao Fim da Memória, vol. I, pág. 279.

quinta-feira, 25 de julho de 2013

A política do futuro já presente visa a mudança da civilização, em prol do bem comum a tudo e todos, humanos, não-humanos e ecossistemas. Só essa política pode salvar a própria humanidade dos desvarios de que é responsável.

A política do passado, da esquerda à direita, desistiu de mudar o mundo. Converteu-se numa serva da economia e aburguesou-se em reivindicações pontuais para melhorar a vida de classes, grupos e indivíduos. E centrou-se apenas nos interesses humanos, desprezando animais e natureza. Essa política está a conduzir o planeta ao caos ecológico-social.

A política do futuro já presente visa a mudança da civilização, em prol do bem comum a tudo e todos, humanos, não-humanos e ecossistemas. Só essa política pode salvar a própria humanidade dos desvarios de que é responsável.

A política do futuro já presente tem visão ampla e pés bem assentes na terra. Dá passos concretos sem perder de vista os fins últimos: fazer da Terra um lugar melhor para todos os seres. Para isso defende o despertar das consciências, a transição para uma economia de recursos e do bem comum, democracia participativa, sustentabilidade local e regional, alimentação ética e saudável, menos trabalho para cada um e mais emprego para todos, reconhecimento de direitos aos animais e ao mundo natural, ecotaxas sobre o impacto ambiental e muito mais coisas.

É só nesta política que acredito e é com ela que me comprometo. A começar por onde estou: Portugal e Lisboa. E tu? Vais continuar a deixar tudo na mesma, a criticar sem fazer nada e distraído à espera que a morte chegue?

terça-feira, 23 de julho de 2013

"[...] o veganismo é uma recusa em participar na violência que afecta a sociedade como um todo"

"Mais do que uma recusa em fazer parte na violência contra os animais não-humanos para obter comida, roupa, etc., o veganismo é uma recusa em participar na violência que afecta a sociedade como um todo. O veganismo trabalha para expor e acabar com a subtil indoutrinação da indústria da sociedade capitalista, que deseja dessensibilizar a humanidade sobre a violência contra a maioria, para o ganho de uma minoria."

- Joseph M. Smith, The Threat of veganism.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

O Grande PAN renasceu


(Arnold Böcklin, Pan whistling at a blackbird, 1863)

A política do passado, de esquerda, centro ou direita, é a política da pretensão do ser humano ser o centro e o dono do mundo, em nome de si mesmo ou de Deus. A política do futuro já presente é a política da conexão entre todos os seres, humanos, animais e plantas, no seio dos ecossistemas, da Terra e do cosmos.

A política do passado conduziu e conduz à iminência do colapso ecológico-social, à escravidão e sofrimento de humanos e animais e à devastação da Terra. Cabe à política do futuro já presente deter e inverter este processo e transitar para uma nova civilização, onde o ser humano seja o servidor do bem comum de todos, humanos e não-humanos, em harmonia com a Terra.

A política do passado, embora com honrosas excepções, atraiu maioritariamente pessoas ávidas de poder, com mentes e corações estreitos. A política do futuro já presente é e será feita por aqueles que tiverem a mente e o coração mais amplos e abertos. É e será uma política da consciência global e do amor universal, que em todas as decisões concretas visará sempre o maior bem possível de tudo e de todos.

Se isto te parece impossível ou utópico tem cuidado. Estás dominado pela política do passado. Liberta-te e junta-te a nós. O Grande PAN renasceu.

terça-feira, 16 de julho de 2013

“A ideia de uma economia que não cresce pode ser uma aberração para os economistas. Mas a ideia de uma economia em crescimento constante é uma aberração para os ecologistas"


“A ideia de uma economia que não cresce pode ser uma aberração para os economistas. Mas a ideia de uma economia em crescimento constante é uma aberração para os ecologistas. Nenhum subsistema de um sistema finito pode crescer indefinidamente; é uma impossibilidade física. Os economistas têm de conseguir resolver o problema de um sistema económico em crescimento constante poder existir num sistema ecológico finito.
[…] não temos outra alternativa senão pôr o crescimento em causa. O mito do crescimento falhou-nos. Falhou perante mil milhões de pessoas que continuam a tentar viver todos os dias com metade do preço de um café. Falhou perante os sistemas ecológicos frágeis dos quais depende a nossa sobrevivência. E falhou, estrondosamente, nos seus próprios termos, na tarefa de oferecer estabilidade económica e salvaguardar o sustento das populações.
[…]
A realidade incómoda é que estão iminentes o fim do petróleo barato, a subida constante do preço dos bens de consumo, a degradação da qualidade do ar, da água e dos solos, os conflitos por causa da utilização da terra, dos recursos, da água, dos direitos de florestação e pesca, e o desafio avassalador de estabilizar o clima mundial. E deparam-se-nos estas tarefas no meio de uma economia que, para todos os efeitos, não funciona e que precisa urgentemente de ser renovada.
Nestas circunstâncias, é impensável continuar como se nada fosse. A prosperidade de uma minoria com base na destruição ecológica e na injustiça social perpétua não pode ser o fundamento de uma sociedade civilizada digna desse nome. A retoma económica é vital. Proteger o emprego – e criar novos postos de trabalho – é absolutamente essencial. Mas depara-se-nos também a necessidade urgente de repensarmos a noção de prosperidade comum. De nos comprometermos mais profundamente com a justiça num mundo que é finito.
[…]
Mas a crise económica apresenta-se como uma oportunidade única para investir na mudança. Para eliminar o pensamento a curto prazo que infecta a sociedade há décadas. E para o substituir por políticas pensadas, capazes de lidar com o enorme desafio de encontrar o caminho para uma prosperidade sustentável.
Porque, no fim de contas, a prosperidade é mais do que os prazeres materiais. Transcende as preocupações materiais. Assenta na qualidade das nossas vidas e na saúde e na felicidade das nossas famílias. Está presente na força dos nossos relacionamentos e na confiança que depositamos na comunidade em que vivemos. Mostra-se na satisfação que tiramos do trabalho e na sensação de termos objectivos e esperanças comuns. Depende do nosso potencial de participar inteiramente na vida da sociedade.
A prosperidade consiste na capacidade de nos realizarmos enquanto seres humanos – dentro dos limites ecológicos de um planeta finito. O desafio que se apresenta à sociedade é criar condições para que tal seja possível. É a tarefa mais urgente dos nossos tempos”

- Tim Jackson, Prosperidade sem crescimento. Economia para um planeta finito, Lisboa, Tinta da China, 2013, pp.28-30.

terça-feira, 25 de junho de 2013

"Importa construir um novo ethos que permita uma nova convivência entre os humanos com os demais seres da comunidade biótica, planetária e cósmica"


“Em momentos críticos como os que vivemos, revisitamos a sabedoria ancestral dos povos e nos colocamos na escola de uns e outros. Todos nos fazemos aprendizes e aprendentes. Importa construir um novo ethos que permita uma nova convivência entre os humanos com os demais seres da comunidade biótica, planetária e cósmica; que propicie um novo encantamento face à majestade do universo e à complexidade das relações que sustentam todos e cada um dos seres”


- Leonardo Boff, Saber Cuidar. Ética do humano – compaixão pela terra, Petrópolis, Editora Vozes, 2011, p.27.

sábado, 11 de maio de 2013

“A médio prazo, se não civilizarmos a economia teremos de mudar de civilização"


“A médio prazo, se não civilizarmos a economia teremos de mudar de civilização. Em diferentes espaços-tempo, segundo ritmos e graus de ambição distintos, com recurso a gramáticas semânticas que só se reconhecem mediante tradução, os objectivos são democratizar, descolonizar, desmercadorizar. Este projecto seria ambicioso e utópico se a alternativa não fosse a guerra incivil, a catástrofe ecológica, o fascismo social montado nas costas da democracia política”

- Boaventura de Sousa Santos, Portugal. Ensaio contra a autoflagelação, Coimbra, Edições Almedina, 2011, p. 154.

Creio que para civilizar a economia temos mesmo de mudar de civilização... E temo que a médio prazo seja já demasiado tarde para evitar todos os riscos referidos...

terça-feira, 7 de maio de 2013

“Da arte à sexualidade, à psicologia e espiritualidade, à política, negócios e liderança, à educação, medicina e desenvolvimento pessoal, passando por todos os outros cantos da experiência humana, há uma revolução de integração a ocorrer em todas as dimensões das nossas vidas. E está a crescer rapidamente. Sabemos que os problemas não podem ser resolvidos no mesmo nível de pensamento que os criou. Como os nossos problemas se tornam cada vez mais complexos, mais interdependentes e mais globais, torna-se cada vez mais claro que precisamos encontrar toda uma nova dimensão de pensamento e de soluções a fim de enfrentar os grandes desafios do nosso tempo. Esta é a próxima fase. A próxima importante etapa da evolução humana”. Ken Wilber

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Nenhum centralismo fascista conseguiu fazer o que fez o centralismo da sociedade de consumo

"Nenhum centralismo fascista conseguiu fazer o que fez o centralismo da sociedade de consumo. O fascismo propunha um modelo, reaccionário e monumental, que todavia permanecia letra morta. As diferentes culturas particulares (camponesas, subproletárias, operárias) continuavam imperturbavelmente a assemelhar-se aos seus antigos modelos: a repressão limitava-se a obter a sua adesão verbal. Hoje, pelo contrário, a adesão aos modelos impostos pelo centro é total e sem condição. (...) (O centralismo da sociedade de consumo) impôs (...) os modelos desejados pela nova industrialização, que não mais se contenta com um "homem que consome", mas pretende que nenhuma outra ideologia a não ser a do consumo é doravante concebível. Um hedonismo neo-laico, cegamente esquecido de todo o valor humanista e cegamente estranho às ciências humanas"

- Pier-Paolo Pasolini, Scritti corsari, Milão, Garganzi, 1975, pp.22-23.

O totalitarismo, fracassado no fascismo, no nacional-socialismo e no estalinismo, paradoxalmente triunfa nas sociedades liberais e na dita democracia representativa. O regime de pensamento único, que falhou sempre que se tentou impor pela violência política, triunfou quando se manifestou como a realização dos nossos desejos de conforto, prazer e bem-estar, do nosso ideal de termos tudo ao nosso dispor a todo o momento. Mesmo que isso implique a destruição do outro, seja humano, animal ou o planeta. E é este fascismo dos nossos desejos o mais difícil de vencer, pois instaura-se disfarçado de liberdade. Lamentavelmente, a libertação tornou-se a mais impopular das soluções. Quando assim é, a mudança dificilmente vem sem a catástrofe...

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Chegou a Hora de uma política politicamente incorrecta

Chegou a Hora de uma política politicamente incorrecta, ao serviço da expansão da consciência e de uma nova cultura. Libertar os humanos, libertar os animais, libertar a Terra. Mudar a mente, mudar o mundo. Cuidar e curar. Não separar a luta pela democracia participativa e pela justiça social e económica da protecção de todas as formas de vida e do planeta. Produzir, consumir e poluir menos, trabalhar menos para que haja mais emprego para todos e se viva mais. Transitar desta civilização, a da ganância de alguns e da miséria de muitos, para uma civilização da abundância frugal para todos. Investir menos no PIB, Produto Interno Bruto, e mais na FIB, Felicidade Interna Bruta. Passa a mensagem. 

sábado, 27 de abril de 2013

(Re)aprender a respirar

Tocador de Sakuhachi
 
Os tocadores de instrumento de sopro desenvolvem uma técnica com vista a poder emitir um som ao mesmo tempo que inspiram. Nomeada de Respiração Circular, julgo que esta técnica tem como base uma filosofia a reter: assim como é possível mesclar inspiração e expiração, também é possível viver estando morto. Sendo a Vida e a Morte duas forças antagónicas essenciais, imaginemos que estas se desdobram de essenciais em aparenciais: Inspiração e Expiração, Dia e Noite, Homem e Mulher, Sol e Lua, Deus e Diabo, Nirvana e Samsara, Partido e Inteiro, Amor e Ódio, Construção e Destruição, etc...  Quem tem um Curso de Filosofia certamente que pode escrever uma tese interessante acerca deste assunto; mas os meus meios limitados escassos de pensar e registar somente me permitem concluir uma coisa: assim como um clarinetista profissional é capaz, após anos e anos de aperfeiçoamento, de emitir um som muito prolongado, infinito, no tempo, o Ser Humano tem em suas mãos a possibilidade de viver o infinito no finito, de transcender a morte e de ser um cadáver - não adiado mas sim inadiado! - ou seja, o Cálice com o Vinho que dilui os opostos e nos brinda com a liberdade de não ser nem um nem dois mas sim haver nada. Para que isto de cálices, cadáveres, ou clarinetistas não passe de mera demagogia teórica, ouso mesmo afirmar - que é o contrário de negar, ou seja o mesmo e/ou (i)mesmo (LOL) - que Tradições orientais, como o Ioga, o Tai Chi, o Karaté Goju Ryu, o Zen - Tradições ou Escolas que me ocorrem neste momento - tornam central o tema da respiração, chamando vezes sem conta a nossa atenção para facto de não sabermos respirar. Talvez fosse importante que nós, crianças, adultos e velhos, mortos e/ou vivos, (re)aprendêssemos a respirar, ocorrendo provavelmente daí uma mudança de cariz interior (no corpo) e exterior (na sociedade).

sexta-feira, 26 de abril de 2013

"No próprio dia existe a noite, e na luz, no centro do Sol, vê-se isto, que mete medo: uma singular mancha de sombra a medrar."


J.M.G. Le Clézio

"As imensas cidades erguem os seus monumentos de betão cinzento, as praças são como lagos de cimento, os invólucros dos automóveis têm brilhos insuportáveis. Tudo está em permanência próximo da deflagração. São dissimuladas as razões. Não residem nas palavras da linguagem, visto as palavras não serem fixas - vivem, resvalam, escorregam, dividem-se como células.
Quero eu dizer: nada é coisa segura, e em parte nenhuma. Os pensamentos atravessam águas turvas, e vão tão longe que já não se lembram de onde terão partido. O universo é estável, é fixo, é uma evidência. Quando porém se o olha, racha e fende-se, abre os seus abismos, as suas partes ocas, os seus mistérios. No próprio dia existe a noite, e na luz, no centro do Sol, vê-se isto, que mete medo: uma singular mancha de sombra a medrar."

J.M.G. Le Clézio, Índio Branco, Fenda Edições, pp.78-79

quinta-feira, 25 de abril de 2013

O Beijo do Sol e da Lua

 
 
Imaginemos a existência num traço vertical; dois sentidos de imediato surgem - o ascendente e o descendente. Relativamente ao primeiro, evoquemos os heróis, os guerreiros, os cavaleiros medievais, os kshatrias indianos, figuras que através da sua ação pretendem ascender aos céus com o intuito de aí alcançar um estado de passividade beatífica. Já o segundo recordemos os semitas e posteriormente os cristãos e os muçulmanos - os representantes das tradições monoteístas - que passivamente através da vida religiosa-contemplativa, esperam que a Graça Divina, o Espírito Santo, a Canastra Iluminadora (expressão que tive oportunidade de escutar numa celebração eucarística em Fátima), conduzindo esta experiência mística a um estado de atividade beatífica na terra. Sendo o primeiro um caminho solar, de cariz indo-europeu e essência da espiritualidade pagã, masculino, inspirado na mulher e expirado no andrógino, ascendente, de princípio ativo que tem como alvo o passivo, o segundo é um caminho lunar, de cariz semita e precursor da espiritualidade monoteísta, feminino, inspirado no Pai, descendente, caracterizado por um princípio passivo que visa o ativo.
Talvez a junção dos dois traga um contorno horizontal à existência, o que significa aniquilamento ou transcendência do ego, algo que poderá quebrar barreiras, fronteiras, limites e muros entre todos os seres, o que permitirá por sua vez uma coexistência universal entre tudo e todos dotada de solidariedade, fraternidade e igualdade.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

"As cidadelas, as praças fortes e os campos entricheirados não resistem muito tempo."

Basta de fechaduras! Basta de paredes e de vidros, basta de ordens inaudíveis dadas por meia dúzia de tiranos lá de cima das suas torres de controlo! As muralhas e as portas despedaçam-se bastante facilmente. As cidadelas, as praças fortes e os campos entricheirados não resistem muito tempo. Explodem por si mesmos, como se de súbito a mão de um arrebatado pesasse na alavanca do detonador. As barreiras da autonomia estão desfeitas. As velhas e sórdidas barreiras da alma, que protegiam o espírito e a linguagem. As propriedades privadas estão estão violadas; nada tinham a preservar. As cidades não desaparecem; estendem a sua paisagem de ferro e de cimento, cobrem as planícies de aluvião e as colinas. Vão, depressa, duma ponta à outra da terra, traçam os seus desenhos velhos, milenários. Já não se trata porém das vilas isoladas, das aldeias, das cidades santas e das cidades proibidas. Tombuctu, Meca, Pequim, para que serve isso? Não, eis talvez chegado o tempo das cidades novas, onde a força da vida de novo domina a linguagem, onde os homens de novo encontram a experiência terrestre, onde os pensamentos, os desenhos e as palavras já não são solitários, semelhantes a sujos excrementos secos, mas são agora como os sinais dos Índios: uma encantação, uma música, uma dança, às quais cada qual obedece e cada qual inventa.

J.M.G. Le Clézio, Índio Branco, Fenda Edições, pp.16-17

sábado, 20 de abril de 2013

God Bless America


Julgo que a América é o país da liberdade cimentada no medo. Medos, fantasmas, demónios, aversões e desejos recalcados - quando tudo isto vem ao de cima, há sempre atentados, sangue e morte. Não é com leis, tribunais e penas - que simplesmente têm a função de recalcar o animal que há em nós - que se apazigua uma população; assim como tens de passear o cão todos os dias, também há que passearmo-nos sem que isso prejudique a vida de alheia.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

"O que se requer é uma nova criação imaginária de uma importância sem paralelo no passado, uma criação que metesse no centro da vida humana outras significações que não a expansão da produção e do consumo"

"O que se requer é uma nova criação imaginária de uma importância sem paralelo no passado, uma criação que metesse no centro da vida humana outras significações que não a expansão da produção e do consumo, que colocasse objectivos de vida diferentes que pudessem ser reconhecidos pelos seres humanos como valendo a pena. (...) Tal é a imensa dificuldade com que nos defrontamos. Deveríamos querer uma sociedade na qual os valores económicos cessaram de ser centrais (ou únicos), onde a economia esteja reposta no seu lugar como simples meio da vida humana e não como fim último, na qual se renuncie pois a esta corrida louca para um consumo sempre acrescido. Isso não é somente necessário para evitar a destruição definitiva do ambiente terrestre, mas também e sobretudo para sair da miséria psíquica e moral dos humanos contemporâneos"

- Cornélius Castoriadis, La montée de l'insignificance. Les carrefours du labyrinthe IV, Paris, 1996, p.96.

terça-feira, 9 de abril de 2013

Sistema de poupança de água


Eis uma ideia que o meu filho António, de seis anos, quer partilhar connosco. Será que a consciência ecológica é paradigma das novas gerações? 

quarta-feira, 3 de abril de 2013

«Que é que faz?»


"Sempre que a sociedade moderna nos promete o acesso a uma comunidade, esta é centrada na adoração do sucesso profissional. Sentimos que estamos junto dos seus portões quando a primeira pergunta que nos fazem numa festa é «Que é que faz?». A nossa resposta a essa pergunta determinará se somos bem recebidos ou definitivamente ostracizados por sermos insignificantes. Nessas competitivas reuniões pseudocomunais apenas alguns dos nossos atributos contam como moeda com a qual podemos comprar a boa vontade de desconhecidos. O que interessa acima de tudo é o que está escrito nos nossos cartões profissionais, e as pessoas que optaram por passar a vida a cuidar dos filhos, a escrever poesia ou a tratar de pomares ficarão a saber que remam contra a corrente dominante dos poderosos e que merecem ser devidamente marginalizadas."

Alain de Botton, Religião Para Ateus, Publicações D. Quixote, 2012, p.29

terça-feira, 26 de março de 2013

"A nossa tarefa deve ser libertarmo-nos, alargando o nosso círculo de compaixão para abranger todas as criaturas viventes, toda a natureza e a sua beleza" - Albert Einstein




"A nossa tarefa deve ser libertarmo-nos, alargando o nosso círculo de compaixão para abranger todas as criaturas viventes, toda a natureza e a sua beleza"

- Albert Einstein

quarta-feira, 20 de março de 2013

"Em grego existem duas palavras para dizer "vida": "biós" e "zoé"

"Em grego existem duas palavras para dizer "vida": "biós" e "zoé". "Biós" é uma das formas possíveis da vida integral. Foi criada a partir da diversificação das espécies e da individuação de membros no interior de cada espécie. "Biós" está no reino da individualidade e da diversidade. "Zoé" é a vida que nos atravessa a todos. A nossa singularidade biológica é apenas uma das possíveis manifestações de "zoé". Nas suas fases mais imaturas, o nosso pequeno eu aferra-se à vida à custa de exterminar outras formas de existência. Crescer em consciência significa perceber que todos participamos da mesma vida (zoé) que apareceu na terra e que transcende o próprio planeta. Quando ficamos reduzidos à nossa dimensão "biológica" individual, apenas lutamos pela nossa sobrevivência - pessoal ou grupal, que não é mais do que a extensão do nosso ego - , esquecendo que a nossa existência individual e de espécie participa de uma realidade e de um dom muito maiores que procedem de um fundo multiforme, transtemporal e infinito cujas manifestações somos chamados a venerar, cuidar e servir, em vez de possuir, dominar ou submeter"

- Javier Melloni, Hacia un Tiempo de Síntesis, Barcelona, Fragmenta Editorial, 2011, p.222.

terça-feira, 19 de março de 2013

A fraternidade original segundo Agostinho da Silva



"Como se sabe, os gregos possuíam, com muitos outros povos da Antiguidade, a tradição de que em tempos remotos tinham os homens vivido num estado de perfeita inocência e numa felicidade só comparável à dos deuses; tratavam-se todos como irmãos, alimentavam-se de frutos das árvores. Desconheciam as disputas e a guerra; havia entre eles e a natureza uma completa comunhão, a tal ponto que nem mesmo distinguiam entre si próprios e o mundo que os rodeava; e poderiam ter prosseguido nesta existência beatífica se não se tivesse dado uma corrupção dos costumes, se da Idade do Ouro se não tivesse passado para a Idade de Ferro, a actual, em que todas as aberrações se tornaram normais na humanidade"

– Agostinho da Silva, A Comédia Latina [1952], in Estudos sobre Cultura Clássica, p. 301.