PAN - UM NOVO PARADIGMA

Vivemos o fim de ciclo de um paradigma civilizacional esgotado, o paradigma antropocêntrico, cuja exacerbação nos últimos séculos aumentou a devastação do planeta, a perda da biodiversidade e o sofrimento de homens e animais. Impõe-se um novo paradigma, uma nova visão/vivência da realidade, ideias, valores e símbolos que sejam a matriz de uma nova cultura e de uma metamorfose mental que se expresse em todas as esferas da actividade humana, religiosa, ética, científica, filosófica, artística, pedagógica, social, económica e política. Esse paradigma, intemporal e novíssimo, a descobrir e recriar, passa pela experiência da realidade como uma totalidade orgânica e complexa, onde todos os seres e ecossistemas são interdependentes, não podendo pensar-se o bem de uns em detrimento de outros e da harmonia global. Nesta visão holística da Vida, o ser humano não perde a sua especificidade, mas, em vez de se assumir como o dono do mundo, torna-se responsável pelo equilíbrio ecológico do planeta e pelo direito de todos os seres vivos à vida e ao bem-estar.

Herdando a palavra grega para designar o "Todo", bem como o nome do deus da natureza e dos animais, o PAN - Partido pelos Animais e pela Natureza - incarna esse paradigma na sociedade e na política portuguesas.

O objectivo deste blogue é divulgar e fomentar o debate em torno de contributos diversos, contemporâneos e de todos os tempos, para a formulação deste novo paradigma, nas letras, nas artes e nas ciências.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

"A economia tende a absorver toda a ética..."

"As políticas económicas absorvem quase por inteiro a atenção dos governos e tornam-se, ao mesmo tempo, cada vez mais impotentes. (...) Quanto mais rica é uma sociedade, menos possível se torna para ela a produção de coisas de valor, sem uma retribuição imediata. A economia tornou-se de tal modo escravizante que absorve quase integralmente a política externa. As pessoas dizem, "Ah, pois, nós não gostamos dessa gente, mas estamos economicamente dependentes deles e, por isso, temos de lhes fazer as vontades". A economia tende a absorver toda a ética e a tomar procedência sobre todas as outras considerações humanas. Ora é bem claro que isto é um desenvolvimento patológico (...)"
- E. F. Schumacher, "Small is beautiful", Lisboa, Dom Quixote, 1985, 2a edição, p.62.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

"O circo ensina as crianças a rir da dignidade perdida dos animais"

"O circo ensina as crianças a rir da dignidade perdida dos animais. Neste caso, a "humanização" dos bichos reflecte claramente a falta de humanidade das pessoas projectada num macaco de vestido, camuflada sob os risos"

- Olegario Schmitt (escritor, poeta, fotógrafo; Brasil, 1976)

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

"(...) quando se trata de animais, todo o homem é um nazi"



"Há muito chegara à conclusão de que o tratamento do homem para as criaturas de Deus torna ridículos todos os seus ideais e todo o pretenso humanismo. Para que este estufado indivíduo degustasse seu presunto, uma criatura viva teve de ser criada, arrastada para sua morte, esfaqueada, torturada e escaldada em água quente. O homem não dava um segundo de pensamento ao facto de que o porco era feito da mesma matéria e que tinha de pagar com sofrimento e morte para que ele pudesse saborear sua carne. Pensei mais de uma vez que, quando se trata de animais, todo o homem é um nazi"

- Isaac Bashevis Singer

"[...] o vegetarismo é um sinal precioso, apenas um aspecto duma renovação social profunda"




"Convençamo-nos de que o vegetarismo é um sinal precioso, apenas um aspecto duma renovação social profunda; aceitemo-lo em todas as suas consequências e vejamos nos seus benefícios os frutos elementares da grande aspiração de alegria e paz entre os homens e sobre a terra para que a humanidade ansiosamente se encaminha"

- Jaime de Magalhães Lima, O Vegetariano: Mensário Naturista Ilustrado, III Volume, Fevereiro de 1913, p.459.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Como poderemos nós ser deuses se os animais são exatamente como nós?


A questão é que um ganso ou outro animal podem constituir uma violenta amálgama de emoções. Os sentimentos podem "estar estampados na sua face" e bastará apenas uma certa prática para interpretar o que nela se encontra impresso. Somos unicamente restringidos pela ignorância, falta de interesse, ânsia de exploração (tal como pretender comê-los) ou por preconceitos antropocêntricos que nos impedem, como por desígnio divino, de reconhecer pontos comuns onde estes possam existir. Como poderemos nós ser deuses se os animais são exatamente como nós?

In Masson, J. e McCarthy, S. (2001). Quando os elefantes choram. Cascais: Sinais de Fogo, p. 60.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

"Os animais têm todos a sua vida própria e nenhum deles jamais nasceu para alimentar o homem"

‎"Os animais têm todos a sua vida própria e nenhum deles jamais nasceu para alimentar o homem; este é que pensa quase sempre não ter nascido para outra coisa que não seja comer, e assim, depois de ter provado de tudo, quis também ensaiar a carne e fê-lo, e, como gostasse, continuou, sendo muito para supor que um dia faça o mesmo ao seu semelhante que, de resto e figuradamente, há muito já que vem comendo"
- Luís Albino da Silva Leitão (escritor, jornalista e filantropo, director da "Revista do Bem" e do "Anuário Comercial", 1866-1940).

"Os que são sanguinários com os bichos, revelam uma natureza propensa à crueldade"



“Quanto a mim, nunca pude sequer ver perseguirem e matarem um inocente animal, sem defesa, e do qual nada temos a recear, como é o caso da caça ao veado, o qual, quando sem fôlego e sem forças, e sem mais possibilidade de fuga, se rende e como que implora o nosso perdão com lágrimas nos olhos: “gemendo, ensanguentado, pede misericórdia” [Virgílio]. Um tal espectáculo sempre me pareceu muito desagradável.
Se apanho algum animal vivo, dou-lhe liberdade. O mesmo fazia Pitágoras que comprava peixes e pássaros para os soltar: “Foi, creio, como o sangue dos animais que o ferro se tingiu pela primeira vez” [Ovídio]. Os que são sanguinários com os bichos, revelam uma natureza propensa à crueldade. Quando se acostumaram em Roma com os espectáculos de matanças de animais, passaram aos homens e aos gladiadores.”

- Michel de Montaigne, Ensaios, Livro segundo, Capítulo XI, "Da crueldade"

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

GREVE GERAL

Precisamente há um ano escrevi e publiquei este texto, na véspera da última Greve Geral. Reli-o agora e, infelizmente, não vejo motivos para alterar uma vírgula. Publico-o pois de novo. Que despertemos e que cada um se assuma como a solução para a crise.

Abraços

GREVE GERAL

24 de Novembro é dia de Greve Geral. Sim, façamos Greve Geral. Paralisemos todas as nossas actividades, como protesto contra um país mal organizado, mal governado, eticamente decadente e social e economicamente injusto, cada vez mais vergado à grande finança internacional, à ganância dos especuladores e ao consequente desprezo pelas necessidades básicas da população. Paremos totalmente, como protesto contra um país refém dos grandes grupos e potências económico-financeiras em todas as áreas, do trabalho à saúde, educação e política.

Façamos pois Greve Geral, em protesto contra todos os governos e oposições que, não só agora, mas desde a fundação de Portugal, contribuíram para o estado em que estamos. Todavia, façamos Greve Geral sobretudo em protesto contra nós próprios, que maioritariamente votamos sempre nos mesmos ou nos abstemos de votar e, principalmente, de criar alternativas à classe política e aos partidos em que desde há muito não acreditamos. Façamos Greve Geral, sim, mas também à nossa passividade e conformismo cívicos, à nossa preguiça e indolência, à nossa tremenda indiferença. Façamos Greve Geral ao nosso hábito inveterado de criticar tudo e todos e nada fazer, ficando sempre à espera que alguém faça, que os outros resolvam, que D. Sebastião apareça. Façamos Greve Geral à ideia de que basta fazer um dia de Greve Geral exterior, em prol de mudanças sociais, económicas e políticas, deixando tudo igual nos outros dias e dentro de cada um de nós. Sim, façamos definitivamente Greve Geral à demissão de sermos desde já, sempre e cada vez mais a diferença que queremos ver no mundo, em todas as frentes, sem exclusão de nenhuma: espiritual, cultural, ética, social, económica e política.

Façamos pois Greve Geral à nossa cumplicidade com o rumo de uma civilização que caminha aceleradamente para a sua perda, à nossa colaboração com a ganância e futilidade da hiperprodução e do hiperconsumo que violam a natureza e instrumentalizam e escravizam os seres vivos, homens e animais, em nome de um progresso e de um bem-estar que é sempre apenas o de uma pequena minoria de senhores do mundo. Façamos Greve Geral à intoxicação quotidiana de uma comunicação social que só deixa passar a versão da realidade que interessa aos vários poderes e contrapoderes. Façamos Greve Geral à imbecilização colectiva de muitos programas de televisão e seus outros avatares informáticos, que nos deixam pregados no sofá e nos ecrãs quando há crianças a morrer de fome, mulheres apedrejadas até à morte, velhos abandonados, defensores dos direitos humanos torturados e a apodrecer nas prisões, trabalhadores explorados, povos vítimas de agressão militar e genocídio, animais produzidos em série para os nossos pratos e a agonizar nos canis, matadouros, laboratórios e arenas, a natureza e o planeta a serem devastados… Façamos Greve Geral a todas as nossas ilusões e distracções, a todo o fazer de conta, a toda a conversa fútil no café, telemóvel, blogues e facebook, a todo o voltar a cara para o lado ante a realidade profunda das coisas e toda a nossa hipócrita cumplicidade com o que mais criticamos e condenamos.

Sim, e sobretudo façamos Greve Geral à raiz de tudo isso, a todos os nossos pensamentos, emoções, palavras e acções iludidos, inúteis e nocivos a nós e a todos. Greve Geral a todos os juízos e opiniões que visam sempre autopromover-nos em detrimento dos outros. Greve Geral a colocarmo-nos sempre em primeiro lugar, a nós e aos “nossos”, familiares, amigos, membros da mesma nação, clube, partido, religião ou espécie, em detrimento dos “outros”, sempre a menorizar, desprezar, combater, dominar ou abater. Pois façamos Greve Geral, total e radical, não só um dia, mas para sempre, a toda a ignorância dualista, apego e aversão e à sua combinação em todo o egocentrismo, possessividade, orgulho, inveja e ciúme, avareza e avidez, ódio e cólera, preguiça e torpor. Paremos para sempre de produzir e consumir isto, cessemos de poluir mental e emocionalmente o planeta e deixemos espaço para que em nós floresça e frutifique a sabedoria, o amor, a compaixão imparciais e incondicionais, a paz e a alegria profundas e duradouras.

Façamos Greve Geral, agora e para sempre! E deixemo-nos contaminar pela Revolução doce e silenciosa de uma mente desperta e sensível ao Bem de todos os seres sencientes, que nada pense, diga e faça que não o vise, a cada instante, seja em que esfera for, também na economia e na política. Desta Greve Geral saem um Homem e um Mundo Novos.

Paulo Borges
23.11.2010 / 23.11.2011

terça-feira, 15 de novembro de 2011

"(...) sentir-se terra é perceber-se dentro de uma complexa comunidade de outros filhos e filhas da Terra"

"(...) sentir-se terra é perceber-se dentro de uma complexa comunidade de outros filhos e filhas da Terra. A Terra não produz apenas a nós, seres humanos. Produz a miríade de micro-organismos que compõem 90% de toda a rede da vida, os insetos que constituem a biomassa mais importante da biodiversidade. Produz as águas, a capa verde com a infinita diversidade de plantas, flores e frutos. Produz a diversidade incontável de seres vivos, animais, pássaros e peixes, nossos companheiros dentro da unidade sagrada da vida porque em todos estão presentes os vinte aminoácidos que entram na composição da vida. Para todos produz as condições de subsistência, de evolução e de alimentação, no solo, no subsolo e no ar. Sentir-se Terra é mergulhar na comunidade terrenal, no mundo dos irmãos e das irmãs, todos filhos e filhas da grande e generosa Mãe-Terra, nosso lar comum"

- Leonardo Boff, "Ecologia e ecoespiritualidade", Petrópolis, Vozes, 2011, pp.78-79.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

“Para um homem cuja mente é livre há algo de mais intolerável no sofrimento dos animais do que no sofrimento dos homens"



“Para um homem cuja mente é livre há algo de mais intolerável no sofrimento dos animais do que no sofrimento dos homens. Afinal, no caso destes últimos, pelo menos admite-se que o sofrimento é cruel e que o homem que o causa é um criminoso. Mas milhares de animais são abatidos inutilmente todos os dias sem sombra de remorso. Se algum homem se referisse a isso, seria considerado ridículo – e este é um crime imperdoável. Esta, sozinha, é a justificação de tudo o que os homens sofrem. Exige a vingança de Deus. Se existe um Deus bom, então até a mais humilde das coisas vivas deveria ser salva. Se Deus é bom somente com os fortes, se não há justiça para os fracos e inferiores, para as pobres criaturas que são oferecidas em sacrifício à humanidade, então não existe esta tal bondade, esta tal justiça...”

- Romain Rolland (1866-1944; Nobel de Literatura em 1915), Jean-Christophe

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Os malefícios do antropocentrismo

"Uma grande quantidade de trabalho teorizou a patologia das crises ambientais contemporâneas, sugerindo que algumas das nossas subjacentes crenças e atitudes culturais, religiosas e políticas são responsáveis por nos comportarmos mal para com o ambiente. Por outras palavras, as nossas visões religiosas do mundo, as nossas ideias políticas e sociais básicas, não são ambientalmente inocentes. O centramento humano - antropocentrismo - é o suspeito número um. A perspectiva antropocêntrica é que, de uma maneira geral, os seres humanos são as únicas coisas intrinsecamente valiosas na terra e que tudo o mais existe para servir as nossas carências e necessidades"
- Andrew Brennan / Y. S. Lo, "Understanding Environmental Philosophy", Durham, Acumen Publishing, 2010, pp.7-8.

domingo, 6 de novembro de 2011

“Há uma espécie de respeito e um dever no homem como género que nos liga não apenas aos animais, [...] mas até às árvores e plantas"





“Há uma espécie de respeito e um dever no homem como género que nos liga não apenas aos animais, que têm vida e sentimentos, mas até às árvores e plantas. Devemos justiça aos homens: e, às outras criaturas capazes de as receber, devemos doçura e bondade. Entre elas e nós há alguma espécie de relação e um grau de obrigação mútua”



– Michel de Montaigne (1533-1592).

domingo, 30 de outubro de 2011

O homem, esse recém-chegado que tudo perturba e destrói...





"Se se reconduz a idade do Universo a um dia de vinte e quatro horas, a presença do homem manifesta-se nos cinco últimos segundos e a explosão técnica e demográfica ocupa o último centésimo de segundo"


- André Lebeau, "L'enfermement planétaire", Paris, Gallimard, 2008, p.368.



É como se o homem fosse um recém-chegado à festa da vida que de repente imagina que a festa foi organizada para ele e que tem o direito de fazer o que quiser da casa, dos seus recursos e dos outros convidados, pondo-os ao seu serviço, explorando-os e destruindo-os a seu bel-prazer... O que faríamos com alguém que chegasse a nossa casa e se comportasse assim?

terça-feira, 11 de outubro de 2011

"A não-violência leva-nos aos mais altos conceitos de ética, o objectivo de toda a evolução"




"A não-violência leva-nos aos mais altos conceitos de ética, o objectivo de toda a evolução. Até pararmos de prejudicar todos os outros seres do planeta, nós continuaremos selvagens"

- Thomas Edison (inventor e empresário, 1847-1931)

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

"Eu recuso-me a comer animais porque não posso alimentar-me do sofrimento e da morte de outras criaturas"



Eu recuso-me a comer animais porque não posso alimentar-me do sofrimento e da morte de outras criaturas.
Recuso-me a fazer isto porque eu mesmo sofri tão dolorosamente que consigo sentir as dores dos outros pela lembrança dos meus próprios sofrimentos.
Eu sou feliz, ninguém me persegue; porque deveria eu perseguir outros seres ou causar-lhes sofrimento?
Eu sou feliz, não sou um prisioneiro; porque devo eu transformar outras criaturas em prisioneiros e lançá-las em jaulas?
Eu sou feliz, ninguém me está a magoar; porque deveria eu magoar os outros ou permitir que sejam magoados?
Eu sou feliz, ninguém me maltrata; ninguém me vai matar; porque deveria eu maltratar ou matar outras criaturas ou permitir que sejam maltratadas ou mortas para meu prazer e conveniência?

Não é natural que eu não inflija a outras criaturas a mesma coisa que eu espero que nunca me seja imposta? E que temo que o seja?
Não é a coisa mais injusta fazer estas coisas aos outros sem nenhum propósito além do gozo deste insignificante prazer físico, à custa de mortes e tormentos?
Estes seres são menores e mais desprotegidos do que eu, mas você pode imaginar um homem racional, de sentimentos nobres, que se baseasse nestas diferenças para afirmar o direito de abusar da fraqueza ou da inferioridade de outros?

Você não acha que é justamente o dever do maior, do mais forte, do superior, proteger a criatura mais fraca ao invés de a matar?

- Edgar Kupfer-Koberwitz (escritor, Polónia, 1906-1991; escrito no campo de concentração de Dachau).

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Para recordar, hoje, Dia Mundial do Animal: "No momento, o nosso mundo de humanos é baseado no sofrimento e na destruição de milhões de não-humanos"




"No momento, o nosso mundo de humanos é baseado no sofrimento e na destruição de milhões de não-humanos. Aperceber-se disso e fazer algo para mudar essa situação,
por meios pessoais e públicos, requer uma mudança de percepção,
equivalente a uma conversão religiosa.
Nada poderá jamais ser visto da mesma maneira, pois uma vez reconhecido o terror e a dor de outras espécies, você irá, a menos que resista à conversão, ter consciência das permutações de sofrimento interminável em que se apoia a nossa sociedade."

- Arthur Conan Doyle (escritor, médico, 1859-1930)

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

"Matar um animal para fazer um casaco é um pecado"




"Matar um animal para fazer um casaco é um pecado. Nós não temos esse direito. Uma mulher realmente tem classe quando rejeita que um animal seja morto para ser colocado sobre os seus ombros. Só assim ela será verdadeiramente bela"

- Doris Day (actriz e cantora, 1924 - )

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

"Era o enfermeiro dos animais feridos..."



«Pouco a pouco a sua bondade ocupou-se dos animais. Também eles sofriam, e tinham sobre a Terra o seu quinhão de miséria e de dor. Quando via então um animal carregado, tomava sobre os seus ombros o fardo. Recolhia ossos, pelas esquinas dos mercados, para distribuir aos cães famintos. Era o enfermeiro dos animais feridos, a quem lavava as chagas, onde as moscas se prendiam [...].

Depois, pouco a pouco, na sua alma densa e simples veio a nascer lentamente a ideia de que as árvores também sofriam, bem como as florinhas dos campos. E desde então nunca mais cortou um tronco, para dele fazer um cajado. Todo o ramo, partido e seco no chão, o compadecia. Arredava-se para não pisar a erva [...].»

- Eça de Queiroz, "S. Cristóvão", in "Lendas de Santos".

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Por que é que o sofrimento dos animais me comove tanto?


(Zola fotografado por Félix Nadar)

"Porque é que o sofrimento dos animais me comove tanto? Porque fazem parte da mesma comunidade a que pertenço, da mesma forma que os meus próprios semelhantes"

- Émile Zola (escritor, 1840-1902)

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

"Eu sou a favor dos direitos animais bem como dos direitos humanos. Esta é a proposta de um ser humano integral"



"Eu sou a favor dos direitos animais bem como dos direitos humanos. Esta é a proposta de um ser humano integral"

- Abraham Lincoln

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

"Procurou inculcar em todos a unidade de tudo o que vive, explicando que comer carne é uma espécie de autofagia, o assassínio do que nos é próximo"

"Ele ofereceu um touro feito de mel e de farinha. Procurou inculcar em todos a unidade de tudo o que vive, explicando que comer carne é uma espécie de autofagia, o assassínio do que nos é próximo. Tudo o que vive é um, os homens, os deuses e os animais. A unidade dos viventes é o pensamento parmenidiano da unidade do ser sob uma forma infinitamente mais fecunda, uma simpatia profunda com toda a natureza, uma compaixão transbordante se lhe juntam (...). Ele amaldiçoa o dia em que tocou com os lábios a alimentação sangrenta, isso parece ser o seu crime: a mácula pelo assassínio"
- Nietzsche, sobre Empédocles, "O nascimento da filosofia na época da tragédia grega".

"Nós sabemos o que os animais fazem..."

"Nós sabemos o que os animais fazem, quais são as necessidades do castor, do urso, do salmão e das outras criaturas, porque, outrora, os homens casavam-se com eles e adquiriram este saber das suas esposas animais (...). Os Brancos viveram pouco tempo neste país e não conhecem grande coisa a respeito dos animais; nós, nós estamos aqui desde há milhares de anos e há muito tempo que os próprios animais nos instruíram. Os Brancos anotam tudo num livro, para não esquecer; mas os nossos ancestrais desposaram os animais, aprenderam todos os seus usos e fizeram passar estes conhecimentos de gerações em gerações" - declarações dos Índios a um antropólogo canadiano citadas por Claude Lévi-Strauss, em "La Pensée Sauvage".

sábado, 3 de setembro de 2011

"...dedicado aos biliões de animais chacinados sem necessidade cada ano, que não têm outra voz senão a nossa"



Saiu recentemente The Philosophy of Animal Rights. A brief introduction for students and teachers, de Mylan Engel Jr. e Kathie Jenni. É uma boa introdução pedagógica e didáctica às principais questões da ética animal, "dedicado aos biliões de animais chacinados sem necessidade cada ano, que não têm outra voz senão a nossa".

domingo, 7 de agosto de 2011

"Os políticos e as fraldas devem ser mudados frequentemente e pela mesma razão" - Eça de Queiroz

Um comentário sobre os resultados eleitorais do PAN no jornal anarquista "A Batalha"

O jornal anarquista "A Batalha" publica, na pág. 7 do último número, 245, um comentário aos resultados das últimas eleições do qual extraímos a seguinte referência ao PAN: "A verdadeira inovação foi o aparecimento do Partido pelos Animais e pela Natureza (PAN) que, tendo solicitado a sua legalização ao Tribunal Constitucional em 4 de Dezembro de 2009, obteve essa legalização por acórdão de 13 de Janero de 2011. Quase sem divulgação prévia nem campanha eleitoral, alcançou cerca de 58 000 votos repartidos por todos os círculos eleitorais, com particular relevo para a Madeira (1,72%), Faro (1,64%), Setúbal (1,47%) e Lisboa (1,44%). Embira se nos afigure um movimento integrador de valores ecológicos e humanitários mais do que um partido político nos moldes usuais, o futuro dirá de sua justiça quanto ao papel que lhe está, ou não, reservado. Mas não deixa de ser consolador verificar que ainda vai havendo gente que se preocupa com o bem-estar dos animais (homens incluídos) e com a preservação da natureza - L. G. S."

sábado, 25 de junho de 2011

"Cada ser vivo [...] é compreendido como um fim em si"



"A perspectiva ecosófica desenvolve-se por via de uma identificação tão profunda que o ego pessoal ou o organismo já não são limites adequados ao seu próprio si. Experimentamo-nos a nós mesmos como uma parte autêntica de toda a vida. Cada ser vivo, colocado por princípio em pé de igualdade com o nosso próprio eu, é compreendido como um fim em si"

- Arne Naess, Ecology, community and lifestyle, Cambridge University Press, 1989; trad. francesa: Écologie, communauté et style de vie, Éditions MF, 2008, p. 255.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

"uma vida / já ressurrecta da morte"

"Se eu chegar a ser dum Outro
mas de mim não me perdendo
e esse Outro todos os outros
que comigo estão vivendo

não só homens mas também
os animais e as plantas
e os minerais ou os ares
e as estrelas tais e tantas

terei decerto cumprido meu destino
e com que sorte
para gozar de uma vida
já ressurrecta da morte"

- Agostinho da Silva, "Uns Poemas de Agostinho", p.106.

domingo, 19 de junho de 2011

Por um novo paradigma mental, ético e civilizacional

Vivemos hoje uma profunda crise do paradigma antropocêntrico que dominou a humanidade europeia-ocidental e se mundializou: nele o homem vê-se como centro e dono do mundo, reduzindo a natureza e os seres vivos a objectos desprovidos de valor intrínseco, como meros meios destinados a servir os fins e interesses humanos [1]. Se o surgimento da ciência e da tecnologia moderna obedeceu, sobretudo após as duas Revoluções Industriais, à crença no progresso geral da humanidade mediante o domínio da natureza e a exploração ilimitada dos seus recursos, incluindo os seres vivos, vive-se hoje a frustração dessa expectativa de um Paraíso terreno científico-tecnológico e económico: o sonho comum aos projectos liberais e socialistas converteu-se no pesadelo da persistente guerra, fome e pobreza, da crise económico-financeira, da destruição da biodiversidade, do sofrimento humano e animal e da iminência de colapso ecológico. Muitos relatórios científicos mostram o tremendo impacte que o actual modelo de crescimento económico tem sobre a biosfera planetária, acelerando a sexta extinção em massa do Holoceno, com uma redução drástica da biodiversidade, sobretudo nos últimos 50 anos, a um ritmo que pode chegar a 140 000 espécies de plantas e animais por ano, devido a causas humanas: destruição de florestas e outros habitats, caça e pesca, introdução de espécies não-nativas, poluição e mudanças de clima [2].

Manifestação particularmente violenta do antropocentrismo tem sido o especismo, preconceito pelo qual o homem discrimina os membros de outras espécies animais por serem diferentes e vulneráveis, mediante um critério baseado no tipo de inteligência que possuem que ignora a sua comum capacidade de sentirem dor e prazer físicos e psicológicos (a senciência, ou seja, a sensibilidade e o sentimento conscientes de si, distinto da sensitividade das plantas) ou o serem sujeitos-de-uma-vida, consoante as perspectivas de Peter Singer e Tom Regan [3]. A exploração ilimitada de recursos naturais finitos e dos animais não-humanos para fins alimentares, (pseudo-)científicos, de trabalho, vestuário e divertimento, tem causado um grande desequilíbrio ecológico e um enorme sofrimento. O especismo é afim a todas as formas de discriminação e opressão do homem pelo homem, como o sexismo, o racismo e o esclavagismo, embora sem o reconhecimento e combate de que estas têm sido alvo.

A desconsideração ética do mundo natural e da vida animal não só obsta à evolução moral da humanidade como também a lesa, lesando o planeta, como é particularmente evidente nos efeitos do consumo de carne industrial. Além do sofrimento dos animais, criados artificialmente em autênticos campos de concentração [4], além da nocividade da sua carne, saturada de antibióticos e hormonas de crescimento [5], a pecuária intensiva é um mau negócio com um tremendo impacte ecológico: a produção de 1 kg de carne de vaca liberta mais gases com efeito de estufa do que conduzir um carro e deixar todas as luzes de casa ligadas durante 3 dias, consome 13-15 kg de cereais/leguminosas e 15 000 litros de água potável, cuja escassez já causa 1.6 milhões de mortes por ano e novos ciclos bélicos (http://www.ambienteonline.pt/noticias/detalhes.php?id=7788); a pecuária intensiva é responsável por 18% da emissão de gases com efeito de estufa a nível mundial, como o metano, emitido pelo gado bovino, que contribui para o aquecimento global 23 vezes mais do que o dióxido de carbono; 70% do solo agrícola mundial destina-se a alimentar gado e 70% da desflorestação da selva amazónica deve-se à criação de pastagens e cultivo de soja para o alimentar; entre outros índices, destaque-se que toda a proteína vegetal hoje produzida no mundo para alimentar animais para consumo humano poderia nutrir directamente 2 000 milhões de pessoas, um terço da população mundial, enquanto 1 000 milhões padecem fome [6]. Isto leva a ONU a considerar urgente uma dieta sem carne nem lacticínios para alimentar de forma sustentável uma população que deve atingir os 9.1 biliões em 2050 [7].

Compreende-se assim a urgência de um novo paradigma mental, ético e civilizacional que veja que as agressões aos animais e à natureza são agressões da humanidade a si mesma, que não separe as causas humanitária, animal e ecológica e que reconheça um valor intrínseco e não apenas instrumental aos seres sencientes e ao mundo natural, consagrando juridicamente o direito dos primeiros à vida e ao bem-estar e o do segundo à preservação e integridade (no que respeita aos animais, Portugal possui um dos Códigos Civis mais atrasados, considerando-os meras coisas, o que urge alterar) [8]. Sem este novo paradigma, de uma nova humanidade, não antropocêntrica, em que o homem seja responsável pelo bem de tudo e de todos [9], não parece viável haver futuro.


[1] Kant considera o homem o “senhor da natureza”, que tem nele o seu “fim último” – Critique de la faculté de juger, 83, Paris, Vrin, 1982. O mesmo autor considera que os animais “não têm consciência de si mesmos e não são, por conseguinte, senão meios em vista de um fim. Esse fim é o homem”, que não tem “nenhum dever imediato para com eles” – Leçons d’éthique, Paris, LGF, 1997, p.391.
[2] Peter Raven escreve no Atlas of Population and Environment: "Impulsionamos a taxa de extinção biológica, a perda permanente de espécies, até centenas de vezes acima dos níveis históricos, e há a ameaça da perda da maioria de todas as espécies no fim do século XXI”. A equipa internacional liderada pelo biólogo Miguel Araújo, da Universidade de Évora, publicou recentemente um importante artigo na revista Nature sobre as consequências na “árvore da vida” das mutações climáticas antropogénicas: http://www.nature.com/nature/journal/v470/n7335/full/nature09705.html
[3] Cf. Peter Singer, Libertação Animal [1975], Porto, Via Óptima, 2008; Tom Regan, The Case for Animal Rights [1983], Berkeley, University of California Press, 2004, 3ª edição. Peter Singer segue a perspectiva utilitarista herdada de Jeremy Bentham e baseia-se na igualdade de interesses dos animais humanos e não-humanos em experimentarem o prazer e evitarem a dor, enquanto Tom Regan estende a muitos dos animais não-humanos a perspectiva deontológica de Kant, considerando-os indivíduos com identidade, iniciativas e objectivos e assim com direitos intrínsecos à vida, à liberdade e integridade. Cf. Os animais têm direitos? Perspectivas e argumentos, introd., org. e trad. de Pedro Galvão, Lisboa, Dinalivro, 2011.
[4] Cf. Peter Singer, Libertação Animal; Jonathan S. Foer, Comer Animais [2009], Lisboa, Bertrand, 2010.
[5] Segundo a Organização Mundial de Saúde, mais de 75% das doenças mais mortais nos países industrializados advêm do consumo de carne.
[6] Cf. um relatório de 2006 da FAO, Food and Agriculture Organization, da ONU, Livestock’s Long Shadow: environmental issues and options: http://www.fao.org/docrep/010/a0701e/a0701e00.HTM
[7] http://www.guardian.co.uk/environment/2010/jun/02/un-report-meat-free-diet
[8] Para uma introdução às diferentes perspectivas e questões éticas e jurídicas relacionadas com a natureza e os animais, cf. Fernando Araújo, A Hora dos Direitos dos Animais, Coimbra, Almedina, 2003; Maria José Varandas, Ambiente. Uma Questão de Ética, Lisboa, Esfera do Caos, 2009; Stéphane Ferret, Deepwater Horizon. Éthique de la Nature et Philosophie de la Crise Écologique, Paris, Seuil, 2011.
[9] Cf. Hans Jonas, Das Prinzip Verantwortung, Frankfurt am Mein, Insel Verlag, 1979.

O homem, uma anomalia destrutiva?

"O homem adquiriu agora um tal domínio sobre o mundo material e um tal poder de aumentar em número que é provável que toda a superfície da terra seja invadida por esta anomalia, até à aniquilação de cada uma das belas e maravilhosas variedades de seres animados"
- Charles Darwin.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Passar de uma política antropocêntrica a uma política ecológica e cosmocêntrica

Um dos grandes desafios do presente, para que haja futuro para a humanidade na Terra, é passar de uma política antropocêntrica a uma política ecológica e cosmocêntrica. Isso implica uma metamorfose radical da teoria e prática política, que desde Aristóteles até hoje gravita em torno do homem. Na verdade implica uma mutação radical do próprio homem, que só pode sobreviver descentrado de si, num novo paradigma holístico. Cabe hoje aos mais conscientes anteciparem essa nova política, entre Céu e Terra, enquanto a velha política definha em tiranias, democracias de fachada e abstenções massivas.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

O mito fundamental da nossa cultura

O mito fundamental da nossa cultura, que tem como complemento o mito de se haver libertado de mitos: o universo surgiu para que nele surgisse a vida que evoluiu para que no planeta Terra surgisse o homem que evoluiu para se tornar o dono e senhor da Terra, de todos os seres e um dia de todo o universo. O mito em que acreditam todos os que crêem não acreditar em mitos. O mito cuja encenação é a actual civilização. O problema é que esta encenação está a destruir o palco, os actores e a si própria...

Sugestão de leitura: Daniel Quinn, "Ismael. Como o mundo veio a ser o que é", Porto, Via Óptima, 2011, 3. edição.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Um excelente trecho de Boaventura de Sousa Santos, na linha das propostas do PAN

Desmercadorizar é um imperativo incontornável na busca de uma sociedade melhor. Sobrepostas às crises financeira, económica e social que acompanham o capitalismo desde o seu início, as crises ecológica, energética e alimentar vieram conferir um grau de convicção maior a algumas constatações que até agora não tinham merecido a atenção do cidadão comum. Eis algumas dessas constatações.

Primeiro, conceber o desenvolvimento como crescimento infinito assente na apropriação intensa da natureza é uma conceção que nos conduz ao desastre. A natureza está dar múltiplos sinais de que os seus ciclos de regeneração vital têm vindo a ser violados muito para além do que é sustentável. A natureza aguenta bem o uso por parte dos humanos mas não o abuso. O planeta não é inesgotável. O estilo de vida nos países desenvolvidos é energívoro e submete as energias não renováveis a uma pressão insustentável.

Segundo, a redução do bemestar ao bem-estar material, baseado no consumo de bens disponíveis no mercado, deixa de lado muitas dimensões da vida (a espiritualidade, o cuidado, a solidariedade, os valores éticos) essenciais ao florescimento humano. Tornam-se necessários outros indicadores de bemestar.

Soa hoje menos absurda ou exótica a iniciativa de um pequeno país budista entalado nos Himalaias, Butão, que, em 1972, decidiu criar um índice de Felicidade Interna Bruta (por analogia com Produto Interno Bruto) para medir o desenvolvimento humano com base nos valores da sua cultura.

Terceiro, como qualquer outro fenómeno histórico, se o capitalismo teve um início, certamente terá um fim. Aliás, a crise ecológica está a mudar os termos dos desafios que enfrentamos: se o problema não for o de saber se o capitalismo sobreviverá, é certamente o de saber se sobreviveremos ao capitalismo.

Quarto, o capitalismo, por mais dominante, não conseguiu nunca erradicar totalmente outras lógicas de relações económicas que não passam nem pela acumulação infinita de riqueza nem pelo lucro a qualquer preço; essas lógicas (algumas existiam antes do capitalismo e sobreviveram, outras surgiram com o capitalismo e para lhe resistir) contêm um repertório de inovação social e económica que pode ser precioso num contexto em que se aprofundam as crises social, ecológica, alimentar e energética.

Refira-se, a título de exemplo, o conceito de "viver bem", Sumak Kawsay em quéchua, que os indígenas do Equador lograram transformar em imperativo constitucional, ao mesmo que atribuíram à natureza (Pachamama, a terra mãe) a titularidade de direitos próprios dela e não dos humanos.

Desmercadorizar significa impedir que a economia de mercado estenda o seu âmbito a tal ponto que transforme a sociedade no seu todo numa sociedade de mercado, numa sociedade onde tudo se compra e tudo se vende, inclusive os valores éticos e as opções políticas.

O imperativo de desmercadorizar envolve a promoção do mais amplo conjunto de iniciativas, muitas delas já testadas pelo tempo e pela capacidade de criar bem-estar para os que nelas participam. Com algumas adaptações, as propostas pela desfinanceirização da Europa estão hoje a ser avançadas a nível mundial.

Constituem um dos núcleos centrais do objetivo de desmercadorizar a vida pessoal, social, política, cultural.

Com o mesmo objetivo, muitas outras propostas e iniciativas têm vindo a ser apresentadas. Fazem parte da consciência antecipatória do mundo e vão esperando a hora da vontade política para as levar à prática. Entre muitíssimas outras, eis algumas.

-Promover formas de economia social tais como cooperativas, economia solidária, sistemas de entreajuda e de troca de tempo e de trabalho -Submeter ao controlo público (não necessariamente estatal) democrático (não burocrático) a exploração e gestão de recursos e de serviços essenciais ou estratégicos -Desmercadorizar a natureza na medida do possível -de que é bom exemplo o pacto internacional da água, há algum tempo em discussão -promovendo uma nova relação entre seres humanos e natureza assente na ideia de que os primeiros são parte da segunda (não existem à parte dela) e que por isso deverão respeitar os ciclos vitais de regeneração da natureza, sob pena de suicídio coletivo -Definir uma nova geração de direitos fundamentais: os direitos da natureza, os direitos humanos à água, à terra, à biodiversidade e a consequente consagração de novos bens comuns insuscetíveis de serem privatizados -Interditar a especulação financeira sobre a terra e os produtos alimentares a fim de evitar a concentração de terra (está em curso uma contrarreforma agrária) e a subida artificial dos preços dos alimentos -Transformar a soberania alimentar em eixo de políticas agrárias para que os países deixem de ser, na medida do possível, dependentes da importação de alimentos -Regular estritamente os agrocombustiveis pelo impacto que têm na segurança alimentar e na soberania alimentar. O impacto destes projectos na agricultura e na vida dos camponeses não é difícil de imaginar - Aumentar a vida média dos produtos manufaturados. Um carro ou uma lâmpada podem durar muito mais tempo sem acréscimo de custos -Tributar de forma agravada alguns produtos agrícolas que viajam mais de 1000 km entre o produtor e o consumidor, criando com a arrecadação um fundo para apoiar o desenvolvimento local dos países menos desenvolvidos -Incluir a diminuição do tempo de trabalho entre as políticas de promoção de emprego -proibir o patenteamento de saberes tradicionais e reduzir drasticamente a vigência de direitos de propriedade intelectual na área dos produtos farmacêuticos e agrícolas -Aproveitar ao máximo as potencialidades democráticas da revolução digital para promover uma cultura livre que recompense coletivamente a criatividade de artistas e investigadores, generalizando a inovadora experiência do movimento do Open Source Software, e da Wikipedia.

Estas são algumas imagens da consciência antecipatória do mundo.

Dir-se-á que são utópicas ou eivadas de romantismo. Sem dúvida.

Mas devemos ter em conta algumas cautelas ao estigmatizar a utopia.

Muitas destas propostas, quando detalhadas tecnicamente, dispõem de medidas de transição e são susceptíveis de aplicações parciais.

Acresce que uma ideia inovadora é sempre utópica antes de se transformar em realidade. Finalmente, porque muitos dos nossos sonhos foram reduzidos ao que existe e o que existe é muitas vezes um pesadelo, ser utópico é a maneira mais consistente de ser realista no início do século XXI.

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O livro Portugal -Ensaio contra a autoflagelação, com 154 páginas, divide-se em sete capítulos. Desde o primeiro, com "breves precisões conceituais sobre as crises e suas soluções", até ao último, com o título "Outro mundo é possível" (palavra de ordem do Forum Social Mundial, de que Boaventura de Sousa Santos é um principais dirigentes ou teorizadores), o autor analisa a situação atual, seus problemas e desafios -e faz propostas. O trecho que publicamos é o final desse último capítulo, sobre o que considera ser, criando um novo termo, o terceiro "imperativo" -depois de "democratizar" e "descolonizar" -para "sair da crise com dignidade e esperança". Boaventura carateriza a autoflagelação como "a má consciência da passividade", considerando não ser "fácil superá-la num contexto em que a passividade, quando não é querida, é imposta".

segunda-feira, 13 de junho de 2011

O PAN começa a incomodar muita gente

Após os quase 58000 votos e a quase eleição de um deputado, após a tentativa de silenciamento durante a campanha eleitoral, multiplicam-se agora em vários órgãos de comunicação social ataques, desconsiderações e tentativas de ridicularizar o PAN, com excepção da referência positiva de Marcelo Rebelo de Sousa ontem na TVI. Ontem mesmo, o cronista José Diogo Quintela, na revista do "Público", tenta achincalhar as seguintes passagens do nosso programa político: "Promover o abandono da industrialização de carne de animais (...) incentivando a promoção do vegetarianismo como dieta mais saudável, mais ética e menos poluente"; "no que respeita às históricas tomadas de consciência moral e ética da humanidade, a recusa do esclavagismo, do racismo e do sexismo deve completar-se com a da discriminação baseada na espécie".
É natural que, presas de hábitos milenares e incapazes de compreender o novo paradigma que o PAN representa, muitas pessoas se sintam incomodadas por colocarmos o dedo na ferida desta civilização cega e desumana e reajam condicionadas pelo medo de tudo o que é novo. É um bom sinal. Sinal de que estamos no bom caminho. Vamos em frente, pelo bem de tudo e de todos, incluindo daqueles que nos atacam, caluniam e ridicularizam.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

A ética da terra e o conquistador autoderrotado

"Em resumo, uma ética da terra altera a função do Homo Sapiens, tornando-o de conquistador da. comunidade da terra em membro e cidadão pleno dela. Implica respeito pelos outros membros seus companheiros e também respeito pela comunidade enquanto tal.
Na história humana aprendemos (espero) que a função de conquistador se torna a dado momento autodestrutiva. (...) as suas conquistas acabam por se derrotar a si mesmas"

- Aldo Leopold, Pensar como uma montanha, Águas Santas, Edições-Sempre-em-Pé, 2008, p.190.

terça-feira, 7 de junho de 2011

Breve História de uma Semente que gerou uma flor chamada PAN

Uns quantos Zeladores retiraram a frágil semente de um cofre-luz, pequeno foco materializado dessa Natureza que tudo É, e expuseram-na aos alvores de um novo dia. Chamaram-na PAN, porque a sua essência constitutiva assenta no Princípio Abarcante de Não-agressão, o agir sem reactividade nem possessividade no estreito cumprimento das Leis da Natureza, essa Plena Abrangência do Nada-“que é Tudo”. Em seguida, colocaram-na suavemente na terra dos ideais concretos. Quase instantaneamente uma raiz brotou.

Essa raiz de venerável origem provém de uma orbe indissoluvelmente tripla, onde Vontade, Amor-Sabedoria e Inteligência Activa se constituem como as três faces de uma pirâmide mágica, cuja geometria essencial assenta no número de ouro que une num eixo único as três dimensões da Vida na sua abarcante e interdependente biodiversidade: humanos, animais não humanos e a restante Natureza.

Num tempo estranhamente curto, a pequena raiz gerou uma flor que foi olhada por muitas dezenas de milhares de Portugueses. Ao respirarem um pouco do seu perfume sorriram lúcida e abertamente, reconhecendo-a com olhar vibrante mas sereno.

Para que possamos despertar mais sorrisos conscientes, vamos permitir que essa planta cresça e se mostre a todos no seu pleno esplendor, de modo a que na praxis do dia-a-dia nunca seja adiado o seu perfume, nem alienadas as suas cores cambiantes, nem confundidas as suas múltiplas formas.

Essa planta, que busca o alento na Preciosa Abarcância do Nada-para-si-querer, coloca-a nos centros da tua mente, da tua voz e do teu coração. De quando em vez deixa que contacte o orvalho da manhã, o sol do meio-dia e a serenidade do crepúsculo. Em seguida sorri! Em cada dia que passa oferece uma pétala ao primeiro que encontres. Por cada pétala que dês, crescerão outras três plantas, cada uma com a sua cor, forma e perfume.

Sempre que possas senta-te no bosque da Vida, ouve os seus sons e repara que são o pulsar da tua mente, respiração e plexo cardíaco, nessa floração PAN-abarcante que em ti desabrocha.

Os portadores dessa planta mágica, esses seres que da Família PAN afloram, estão em movimento multifacetado, interdependente, onde fugacidade e permanência são afinal uma só coisa; numa multiplicidade a que subjaz a unidade, sob uma Vontade que se alia ao Amor-Sabedoria e à Inteligência activa; num sorriso que tudo abarca e vai desvelando ser-a-ser, em cada vez mais seres, essa preciosa flor da Humanidade em plena Potência, em Pleno Abraço que Nada-despreza!

Vamos agora, todos em conjunto, olhar, pensar, meditar e integrar. É esse o adubo fértil, que transforma harmoniosamente o latente em patente, e permite que a vida seja mais Vida, para o Bem de Tudo, de Todos, do Todo.

Por tudo isto sê PAN, para que te situes no Todo, de modo consciente, activo e sereno.

Por tudo isto sê PAN, para que o Cosmos que partilhamos desabroche em Plena Actividade Natural-de-Amor-e-Sabedoria todo abrangentes!

António E. R. Faria

Ângela Santos

segunda-feira, 30 de maio de 2011

A Cidade Invisível


Mas a cidade não contém o seu passado, ela conta-o como as linhas da mão, escrito nos ângulos das ruas, nas grades das janelas, nos corrimões das escadas, cada segmento riscado por arranhões, entalhes, esfoladuras

Italo Calvino, “As Cidades Invisíveis”


Há sinais de abandono evidentes, cafés e lojas sem vida, fachadas a apodrecer, o peso da inércia e da descrença pesando sobre o casario do velho coração da cidade. Os dias invernosos, a chuva, a humidade entranhada acentuam o ar lúgubre da vetusta Rua do Comércio, outrora artéria central da urbe, agora ameaçada por um fenómeno de esclerose mais vasto que vai debilitando toda uma região.

Somos do interior de um território, de um tempo, de um país que jamais se soube organizar como corpo coerente, nem mesmo em tempos de abundância quando à metrópole aportavam o oiro e a pimenta. Confiado na sua dimensão ultramarina e nos proventos das colónias, o Estado descurou qualquer ambição de desenvolvimento do país, ao mesmo tempo que crescia desproporcionadamente. A explicação oportuna pertence a Rui Ramos, coordenador da novíssima “História de Portugal”. De acordo com o mesmo, “isso criou um poder político centrado em Lisboa, transformada quase em cidade-estado onde tudo se passava, à margem de um interior rural e pobre com que ninguém se preocupava”.

E aqui, nesta cidade encastrada no suave declinar da serra, porto de alegria por inventar, o peso da interioridade assume contornos particulares, de saturação, de enervamento, de falhanço colectivo, gerando uma atmosfera peculiar, com a sua nota de encanto funesto. Trocam-se sorrisos pouco claros, adia-se qualquer gesto de partilha calorosa, foge-se para Espanha, para Castelo Branco, para Lisboa, de modo a escapar à pequena representação, à farsa sem sentido dos dias convencionados e das rotinas replicadas sem alma.

Busca-se o pulsar forte de uma urbe, o gozo descomprometido, as luzes e o estrépito dos centros comerciais, e volta-se com o pequeno remorso de uma traição inconsequente, de um devaneio carecido de ousadia. O quotidiano retomado é apenas vagamente doloroso, repleto de rumores inconsequentes, de conversas banais sobre a actualidade mediática, que são o prenúncio de uma resistência já quebrada, de um retorno tolerante aos lugares de todos os dias.

Assim se vai escrevendo uma história de resignação, de desenvolvimento adiado, amordaçadas as almas por esta ambiência soturna de uma cidade que parece cada vez mais falhar a sua vocação como capital de um distrito, onde outros vão assumindo maior protagonismo.

A cidade sobrevive dificilmente, presa às memórias de um tempo onde a azáfama das fábricas, do pequeno comércio, dos serviços desenhavam um cenário tranquilizador, no qual não faltava, ainda, o bulício dos cafés como O Facha, O Central, O Alentejano e O Tarro (os mais velhos evocarão, porventura, O Plátano, O Alpendre, a inolvidável tasca do Marchão). Perderam-se traços identitários fortes, o Cinema no Crisfal é mera recordação, o Jardim da Corredoura foi impiedosamente trucidado, o Clube de Ténis, a Quinta da Saúde, o Colégio de Santo António jazem num limbo de esquecimento, entre muitos outros espaços que subsistem maltratados e desprezados.

Esta incapacidade para manter vivos e estimar símbolos basilares no plano da vivência colectiva, tem-se revelado como um dos factores mais desgostantes e desmobilizadores para muitos dos que vão teimando em ficar, presos ao apego de uma matriz indiscernível, de um perfume difuso de casas antiquíssimas. Para estes, restará sempre o pulsar nostálgico dos lugares, o alento de memórias percutidas desde o fundo de uma cidade que se debate entre a realidade e a lenda, como uma dessas “cidades invisíveis” descritas por Italo Calvino com minúcia poética.

Dou por mim a caminhar pelas mesmas ruas de sempre, na peugada de alguma coisa perdida ou por acontecer, fiel a uma cidade que é a minha, pelo que dela sei tanto quanto pelo que dela desconheço. Trata-se de uma busca circular, infecunda, pois no fundo os lugares, tanto quanto as pessoas, existem apenas enquanto passado reificado ou futuro em esboço, e o presente é essa ordem adiada a debater-se entre as realidades fantasmáticas da memória e do desejo.

Contra a evidente estratégia de asfixia imposta pelo poder central (veja-se, por exemplo, como o orçamento de estado do presente ano nos reduz à quase insignificância), contra a ineficácia das estratégias locais e os atavismos que nos afundam numa magoada melancolia, Portalegre persiste e vai fitando, recalcitrante, o futuro.

Há novos espaços de cultura, de encontro e de convívio, mas a continuada sangria populacional documentada pelas estatísticas gera inquietação. Há novos agentes de desenvolvimento e novas plataformas de intervenção, mas o centro histórico está a morrer aos poucos e o pequeno comércio é, cada vez mais, uma realidade acossada. Paira alguma incompreensão, quanto a opções que dificultam uma afirmação de valores culturais e históricos próprios. Falta, na mesma medida, um pensamento orientador que ataque as razões de isolamento e permita uma maior visibilidade e atractividade no contexto regional e transfronteiriço em que nos inserimos.

Socorro-me dos versos de Cesariny: “Faz falta por aqui uma grande razão”, uma razão que não seja a soma de pequenos interesses instalados, de egoísmos ressabiados, mas um impulso participado para romper a abulia e o medo de existir que, também por aqui, nos vai tolhendo a vontade.

Esta é, em todo o caso, uma terra para habitar sem fatalismos, na expectativa crua de que é feita a vida em qualquer lugar, tão semelhante afinal é o destino que nos empurra e nos molda. Num arrepio de horas irreais, contemplo-a vezes sem conta em busca de uma cintilação, de um contorno, de uma linha pulsante, e medito as múltiplas ramificações a que dá lugar na imaginação de todos os que a habitaram ou habitam. Tal como um poema é composto de palavras, uma cidade é composta de homens, homens que sonham diferentes cidades dentro da cidade.

Portalegre revelada por uma teoria poética de fractais, um segredo guardado demasiado tempo, um saber rarefeito, isto ou o silêncio acumulado dos muros, o escudo de cal defensiva, memórias presas num dúbio limiar de autenticidade.

Carlos Baptista

Colaborador da Revista Pormenores

terça-feira, 17 de maio de 2011

Principais propostas do programa Político do PAN: 1 - Cultura

Iniciamos aqui a publicação das principais propostas apresentadas no Programa Político do PAN. Para mais desenvolvimentos: http://partidoanimaisnatureza.com/ficheiros/PAN_Prog_Pol_2011.pdf

1) A Cultura e a Educação devem ser áreas privilegiadas pelo Orçamento do Estado,
como decisivas para o presente e futuro da Nação, em detrimento de gastos sobredimensionados e desnecessários com as Forças Armadas e com obras públicas que
visem não o bem comum, mas apenas interesses particulares e a ostentação e propaganda
dos governos.

2) Promoção da Cultura como um dos factores fundamentais da formação dos cidadãos
e em todos os seus aspectos: não só tecnológica, mas também filosófica, científica,
literária e artística. As desvantagens da especialização excessiva devem ser
compensadas com a promoção da interdisciplinaridade.

3) Investimento na promoção de uma cultura de valores fundamentais da humanidade,
como a paz, a não-violência e o respeito pelo outro, extensivos não só aos homens,
mas também aos animais e à natureza. Disso depende um aumento da consciência
cívica e uma melhoria da sociedade humana.

4) Criação de um departamento no Ministério da Cultura, em estreita colaboração com
o Ministério da Educação, destinado a promover, sobretudo nas camadas mais jovens
e nos vários níveis de escolaridade, uma consciência ética e solidária igualmente
abrangente de homens, animais e natureza.

5) Extinção da secção de tauromaquia no Conselho Nacional de Cultura, pois a tauromaquia não é uma tradição nacional e consiste numa prática que contradiz os princípios elementares de uma cultura ética e não-violenta.

6) Promoção da cultura portuguesa e lusófona em Portugal e no mundo, destacando
também o contributo pioneiro de vários autores portugueses, como Antero de Quental,
Guerra Junqueiro, Sampaio Bruno, Teixeira de Pascoaes, José Marinho, Eudoro
de Sousa e Agostinho da Silva, entre outros, para uma antecipação da actual consciência ecológica, bem como para a crítica do antropocentrismo e do especismo, propondo uma ética holística.

7) Promoção em Portugal e na comunidade lusófona dos valores ecológicos e de defesa
do valor intrínseco da natureza e de todos os seres vivos.

8) Promoção em Portugal e na comunidade lusófona, na linha da tradição universalista
da história e da cultura portuguesas, o conhecimento das múltiplas línguas e culturas
planetárias, com muitas das quais os Portugueses tiveram contactos pioneiros e
nas quais se podem encontrar paradigmas culturais complementares da tradição europeia-ocidental, frequentemente mais harmoniosos no que respeita à relação da
espécie humana consigo, com os seres vivos e com a natureza. Um português culto
e bem formado deve ter uma consciência multicultural e universalista, não apenas
cingida à cultura nacional, lusófona e europeia-ocidental.

9) Assumir Portugal como o país da multiculturalidade, do diálogo intercultural e inter-religioso, do ecumenismo e da paz, promovendo, sem parcialismos mas com
verdadeira abertura e universalismo, encontros internacionais entre líderes religiosos ou espirituais, ateus e agnósticos, assim como políticos e económicos, destinados à busca de mediação e resolução de conflitos, bem como a encontrar respostas para a resolução dos grandes desafios e questões com que se debate a humanidade no início do século XXI.

10) Fomento em Portugal de uma consciência cívica e ética formada no respeito de pessoas e instituições pela Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) e pela
Carta da Terra (1994). Fomos pioneiros na abolição da pena de morte e da escravatura
e sensibilizámos a comunidade internacional para o drama de Timor. Devemos
estar hoje à altura desta tradição e mobilizar-nos para os grandes desafios éticos,
culturais e civilizacionais do nosso tempo. Portugal deve posicionar-se sempre na
primeira linha da expansão da cultura e da consciência, da luta por uma sociedade
mais justa, da defesa dos valores humanos fundamentais e das causas humanitária,
animal e ecológica. Portugal deve tornar-se um País Ético em todos os domínios, o
que depende de um forte investimento cultural e educativo, sobretudo na formação
das novas gerações.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

OS MERCADOS

Televisões, rádios e jornais, noticiários, analistas e comentadores, repetem a toda a hora as palavras que todos já conhecemos de cor: sacrifícios, crise, cortes, instabilidade dos mercados. Os mercados, sobretudo. E mais as agências de rating.

Deve certamente haver alguma razão para tudo isto, mas faz-nos confusão o excesso com que os mercados, as suas instabilidades e caprichos, e toda esta engrenagem em que uma minoria de especuladores arrastam milhares de milhões (de pessoas, não de dólares, euros, libras ou ienes) para passarem anos-vidas inteiras como animais de carga, a quem se cortam as rações. Como se não fosse já suficientemente mau o que fazemos aos animais…

Não aderimos ao culto destes deuses contemporâneos: mercados, empresas, produtividade, competitividade, deficits, orçamentos, cortes e tal e tal!

Para onde vai a nossa celebrada civilização de progresso? Seremos mesmo “civilização”? Será tudo isto, mesmo, progresso? Que progresso é esse, de quem e para onde? Ou será apenas – ou em grande parte – alienação e dependências?

Quem vai dentro deste comboio infernal continua a gritar de excitação mas se conseguíssemos vê-lo de fora, que pensaríamos do caminho por onde segue e de tudo e todos por cima dos quais vai passando, no seu trilhar vertiginoso?

O problema será o de estar a haver uma crise – ou será que é todo um conjunto de princípios que estão errados de raiz?

José Manuel Anacleto

(texto publicado no nº 37 da revista Biosofia)

O PREVISÍVEL COLAPSO

Como suponho acontecer com todos os que não se consideram nem pretendem parecer omniscientes ou infalíveis e que reflectem não apenas sobre o mundo dito externo ou objectivo mas, também sobre si próprios,

já mudei várias vezes de opinião, já alterei pontos de vista que outrora tive por correctos, já tomei consciência de que me enganei.

Ainda em outras situações, só mais tarde conseguir entender a que ponto estava condicionado ou a partir de preconcebidos (sem dar por isso) nos meus pensamentos nas avaliações que fazia sobre este ou aquele aspecto.

Dito isto, estou mais à vontade para apresentar um artigo que escrevi e editei há nove anos atrás e que, ao reler a esta distância, constato como antecipava a aquilo que escapou a muitos dos especialistas de economia – ou, melhor, a muitos dos cultores do economicismo “puro e duro”.

O PÊNDULO DO RELÓGIO

Durante grande parte do século XX, sobretudo nas décadas de 40 a 80, os regimes e os partidos comunistas, ou semelhantes, implantaram-se e ganharam força numa grande parte do mundo. Constituíram uma realidade complexa, onde se misturaram ideias altruístas e pessoas generosas, com princípios equivocados e práticas monstruosas. Depois, vieram os sinais e, posteriormente, as evidências do seu declínio. Em muitos aspectos, ainda bem que assim foi.

Entretanto, uma onda avassaladora de neo-liberalismo, agora sem praticamente encontrar resistência, inundou o mundo quase inteiro. Com uma agressividade refinada, com uma promessa, explícita ou implícita, de bem estar fácil e imediato, com um apelo irresistível aos prazeres do consumismo, parece ter convertido e submetido tudo e todos, encontrando os mais surpreendentes aliados. Com honrosas e elogiáveis excepções, o poder económico usa e abusa, põe e dispõe, domina, explora, controla, manipula e deita fora – seres humanos -, de maneira fria, impiedosa, desumana e quase ilimitada.

Apesar de todos os seus erros e horrores, o comunismo (ou o medo do comunismo) representava, afinal, um freio para um economicismo capitalista desumano e desenfreado. Não obstante os seus exageros de retórica e (por vezes) injusta agressividade, o sindicalismo de há décadas atrás era, afinal, moderador da prepotência e da indiferença de quem detém o poder económico. Agora, parece não haver limites.

No entanto, o passado mostra-nos à evidência os movimentos pendulares do relógio da História. Tenha-se lucidez, bom senso e visão: é preciso pôr limites equilibrados, humanos e justos a estes excessos neo-liberais. Caso contrário, não nos iludamos: advirão enormes convulsões sociais, levantar-se-ão legiões de desempregados, de homens e mulheres desesperados e sem futuro, surgirão movimentos tão ameaçadores como os que deram origem às piores ditaduras – de esquerda ou de direita – do século que passou. Não é preciso nenhum dom de profecia para o ver...

José Manuel Anacleto

(Artigo publicado em 2002 na revista Biosofia)

sábado, 7 de maio de 2011

Cultivar a consciência ecológica

"(...) cultivar a consciência ecológica. Esse processo implica que nos tornemos mais conscientes da efectiva realidade das rochas, dos lobos, das árvores e dos rios - o cultivo da intuição segundo a qual tudo está ligado com tudo. Cultivar a consciência ecológica é um processo em que se aprende a apreciar o silêncio e a solidão e a redescobrir a capacidade de escutar. Em que se aprende como ser mais receptivo, confiante, holístico na percepção, enraízado numa visão não-exploradora da ciência e da tecnologia"

- Bill Devall / George Sessions, "Ecologia Profunda. Dar prioridade à natureza na nossa vida", Águas Santas, Edições Sempre-Em-Pé, 2004, p.23.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

10 Razões pelas quais não faz qualquer sentido surgir o PAN e não deve ler este post

1 - A política e os políticos portugueses são exemplares e não faz qualquer sentido surgir algo completamente novo e diferente.

2 - Portugal é um país-modelo e um paraíso no tratamento dos seres humanos, dos animais e da natureza e não faz qualquer sentido surgir um partido de Causas, que une a causa animal, humanitária e ecológica e quer fazer aprovar leis que protejam o direito de homens e animais ao bem-estar e à felicidade.

3 - Portugal tem partidos éticos, que colocam o bem comum acima dos interesses partidários, não promovem carreiras e clientelas e não obedecem a lobbies económicos. Por isso não faz qualquer sentido surgir um partido de Valores, um Partido Inteiro, pelo bem de tudo e de todos.

4 - Portugal tem uma política económica em que a produção da riqueza está ao serviço da satisfação das necessidades fundamentais da população e por isso não faz qualquer sentido surgir um partido que defende uma economia de mercado subordinada ao bem social e ecológico.

5 - Portugal é um exemplo europeu e mundial de justiça social e fiscal e de moralidade nos salários da administração pública e por isso não faz qualquer sentido surgir um partido que defende a redução das assimetrias sociais, tectos nos salários e reformas dos gestores públicos e contributos fiscais proporcionais aos rendimentos, que não penalizem sistematicamente os médios e baixos rendimentos decorrentes do trabalho.

6 - Portugal é um país autosustentável, que não depende de importações em áreas vitais, e por isso não faz qualquer sentido surgir um partido que defende a agricultura e as energias renováveis como sectores estratégicos.

7 - Portugal tem tido sucessivos governos que têm investido demasiado na cultura e na educação, bem como na qualidade e dignidade do ensino, e por isso não faz qualquer sentido surgir um partido que considera que isso deve ser um investimento central do Orçamento de Estado e que os professores devem ser social e profissionalmente redignificados como fundamentais para a formação de pessoas solidárias com o outro, seja o homem, o animal ou a natureza.

8 - Portugal tem um excelente Serviço Nacional de Saúde, de qualidade, rápido e acessível a todos, e por isso não faz qualquer sentido surgir um partido que afirma que esta é uma das grandes promessas por cumprir desde o 25 de Abril de 1974, que deve incluir a medicina dentária e as medicinas alternativas devidamente regulamentadas.

9 - Os portugueses têm excelentes hábitos alimentares e não sofrem de doenças causadas por uma nutrição desequilibrada. Por isso não faz qualquer sentido aparecer um partido que defende uma redução pedagógica do consumo de carne, sobretudo industrial, bem como a promoção de alternativas vegetarianas, em prol da saúde humana, do bem-estar animal e do equilíbrio ecológico.

10 - Portugal tem uma democracia e cidadania activa e consciente, os cidadãos participam maioritária e entusiasticamente na vida política, confiam no Estado e nos seus representantes eleitos, que sacrificam os seus interesses pessoais e partidários para se consagrarem inteiramente ao bem comum. Por isso não faz qualquer sentido surgir um partido que defende que os deputados não possam acumular funções e que assume ser a voz dos abstencionistas, dos que votam em branco e nulo e de todos os descrentes na política, mobilizando-os para um exercício mais pleno da cidadania e para a renovação da democracia.

Por estas e por muitas outras razões o surgimento do PAN - Partido pelos Animais e pela Natureza - é um absurdo. Se leu este post é o momento de o esquecer. Sobretudo não o divulgue, para que este perigo não se propague mais. É que pode tornar-se contagiante e originar uma PANdemia. Portugal ainda se arrisca a ser um país a sério.

http://www.partidoanimaisnatureza.com/

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Oiconómia

A palavra “economia”[1] vem do grego “oikos” (ὁ), os bens, e de “nómos” (ὁ), a lei. O “oἰkonómos” seria então o administrador dos bens, o que geria os bens da casa, “oἰkía”. Ora, se em acto de Amor, em ética fraterna, entendermos por "casa" toda a Natureza[2], afinal também o somatório de todas as formas que servem de veículos à prossecução da Vida, temos necessariamente de entender a gestão da “casa” como a administração integradora de todo o conjunto dos ecossistemas que habitam a Casa-Mãe, o Planeta Terra. Deste modo, deixará de haver gestão alienante, progressivamente substituída pela administração/governação dos que cumprem e mostram as leis que regem a Vida, dos princípios subjacentes a toda a Natureza. Deste modo, Terra, Ecossistema, Vida, Natureza, todos os reinos vivenciais – quer se lhes atribua ou não “senciência” – não mais poderão ser entendidos como separados e fragmentados segundo as visões paranóicas, antropocêntricas, especistas ou mesmo hedonistas. Serão, isso sim, experienciados como subsistemas interdependentes cujas unidades estão absolutamente interligadas e interdependentes.

No entanto, como sabemos, uma ideia mais profunda de administração/governação daquilo que é comum à Casa-Mãe – a “oiconómia”, necessariamente abrangente e fraterna – quando introduzida em mentes de superfície nada mais ocasiona do que desaires, como se tem visto e se verá, ocorrendo as ditas “desventuras” com pesadas consequências para todos, mas tantas vezes originadas na mediocridade dos que, metidos a seguidores dos Mistérios de Hércules, nada mais fazem do que introduzir severas distorções no Grande Sistema.

Deste modo, temos de contribuir para a progressiva substituição da ideia absurda porque redutora de “economia” – enquanto materialismo amplamente poluidor, de pendor biocídico e zoofóbico, assente na matriz assassina da separatividade, sempre geradora de sofrimento a animais humanos e não humanos – por uma “Oiconómia”, uma vivência segundo as Leis da Natureza, da Vida, da Casa-Mãe que todos experienciamos e na qual, sem exclusão de partes, coabitamos e residimos.

Segundo este modelo fraterno e abarcante, antropocentrismos, especismos e hedonismos[3], são patologias do pensar e do mal conviver, um poderoso antídoto às simbioses que remetem à completude e abarcância da Vida.

Assim, para todos, sem excepção, esta humilde chamada de atenção que não é um nó de exclusão mas sim uma abertura de inclusão, uma sugestão de integração, onde cada um é simultaneamente um e muitos, para que todos sejamos tudo e todo, simples e reluzentes notas harmónicas na grande sinfonia da Vida, contribuindo para uma progressiva redução das tensões que, mesmo assim, enquanto movimento, remetem tendencialmente e sempre para o acorde fundamental, para uma «harmonia das esferas». Digamos sim à Vida, façamos coro harmonioso dentro da Natureza!

António E. R. Faria



[1] Muito se fala de economia! Economia para aqui, economia para ali, economia como a tábua de salvação, remédio miraculoso que, segundo alguns e à revelia do mais elementar bom senso, nos conduzirá alegadamente a céus vivenciais! Equivocar-se-ão esses, os do pregão balofo e insensato, nada mais fazendo do que sorrateiramente divulgar os “paraísos” de entrada reservada enquanto todos os outros, a esmagadora maioria, humanos e não humanos, se arrastam como meros “carregadores”, calhando-lhes em sorte a abundância da precariedade e as vivências de sofrimento, geradas em boa medida por essa meia dúzia de ignorantes (da Vida) metidos a hábeis gestores da dominação.

[2] E não somente os bens, entendidos como o que se pode dispor a bel-prazer, à revelia do direito à felicidade inerente a todos os seres sencientes e ao equilíbrio dos ecossistemas.

[3]Esses egos enormes, sempre em busca de novos prazeres, que tendencialmente introjectam o mundo numa espécie de neurose obsessiva de afectividade viscosa, deliciando-se amiúde a capturar os outros egos.